À sombra do terror
9 de setembro de 2002O ruído provocado pelo desmoronamento das torres do WTC ainda está mais que presente na memória de Spiegelman. Para o conhecido cartunista e ganhador do prêmio Pulitzer, ainda vai levar um tempo até que o "12 de setembro amanheça".
O nova-iorquino, que vive a alguns quarteirões do ground zero, afirma ter sentido, como nunca antes, "o medo da morte", principalmente quando corria em direção à escola onde sua filha estuda, nas proximidades do WTC.
Spiegelman descreve estas e outras experiências nos quadrinhos À Sombra de Nenhuma Torre, que começam com o susto levado pela família norte-americana, no momento em que o tédio da TV foi substituído pelas imagens das chamas. Um ano após o 11 de setembro, o trabalho de Spiegelman será publicado mensalmente pelo semanário alemão Die Zeit, em páginas inteiras durante um ano.
História bate à porta – O 11 de setembro foi, para o cartunista, um dia de reconhecimento. "Pela primeira vez, percebi como amava a minha Nova York e como nunca iria deixá-la, mesmo se tivesse que afundar com ela", resume Spiegelman. Isso fez, inclusive, com que o cartunista passasse a entender melhor a história de seus antepassados, judeus assassinados nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.
"Meus pais sobreviveram a Auschwitz. Eu tive uma vida americana confortável, mas cresci, apesar disso, com a sensação de estar pisando em ovos. No 11 de setembro, estive em uma situação, na qual essa cabeça sinistra da história bateu à minha porta."
Noite dos Cristais – No momento em que corria por perto das ruínas em que as torres gêmeas haviam se transformado, Spiegelman pôde entender "por que os judeus, depois da Noite dos Cristais, não deram as costas a Berlim. Eu me perguntava até então, por que todos eles não haviam saído da cidade assim que perceberam que Berlim não era um lugar seguro. Hoje, vejo que era porque ali estava o mundo deles, mesmo antes dos nazistas. Foi assim que me senti em relação a Nova York".
Gatos, ratos e porcos –
Spiegelman ficou conhecido no início dos anos 90, com a série de histórias em quadrinhos Maus, na qual o cartunista desenhou as experiências de seus pais no holocausto da Segunda Guerra Mundial. Foi a primeira vez que alguém teve a coragem de transportar o tema ao gênero do cartoon: judeus como ratos, alemães como gatos e poloneses como porcos.Pouco depois, em 1992, Spiegelman já levava como único cartunista da história o Prêmio Pulitzer, que se seguiu à experiência de anos como ensaísta e editor da lendária revista de HQ Raw. Apesar da fama, o sim ao sistema é a última coisa a ser esperada do cartunista. Irônico e mordaz, Spiegelman tenta trazer às tirinhas a "nova normalidade" da sociedade norte-americana, opondo-se às infindáveis novas séries de HQ do país, que têm bombeiros como substitutos dos super-heróis de ontem.
A figura do herói é, diga-se de passagem, coisa rara no trabalho de Spiegelman. Talvez seja esta a razão pela qual À Sombra de Nenhuma Torre não tenha ainda sido publicado nos EUA. "Sou muito europeu para os americanos e me comporto fora dos padrões", observa o cartunista de 54 anos.