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Às vezes simplificar as coisas ajuda a entendê-las melhor

Philipp Lichterbeck
Philipp Lichterbeck
27 de outubro de 2021

Era uma vez um vilarejo atingido por uma doença. Os sábios sabiam o que fazer para frear o vírus. A maioria do vilarejo seguiu as orientações. Só o prefeito e seus seguidores trabalharam contra.

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Ilustração de Bolsonaro com máscara sobre o rosto e coronavírus em volta
"O prefeito não tem noção de ciência, mas diz que é melhor ignorar o vírus e continuar agindo como antes"Foto: Mauro Pimentel/AFP

Às vezes imagino que vivemos num vilarejo com cerca de 500 habitantes. Um dia, chega a esse vilarejo uma nova doença viral, contra a qual não há medicamentos. O vírus ainda não foi estudado e se espalha pela localidade. Algumas pessoas ficam tão gravemente doentes que o pequeno hospital do vilarejo logo fica lotado, e cada vez mais pessoas morrem. Outros também adoecem, mas apresentam apenas sintomas leves. Somente com o tempo se percebe que eles também podem sofrer consequências de longo prazo.

Logo fica claro que existem métodos para desacelerar a disseminação do vírus. Assim, é possível ganhar tempo para desenvolver uma vacina. Quando as pessoas usam máscaras e mantêm distância umas das outras, o vírus tem menos chance de se espalhar, afirmam os sábios no vilarejo. Algo que para a maioria dos moradores faz sentido, e eles se atêm a isso.

Por algum motivo, somente o prefeito e seus apoiadores não estão satisfeitos. Embora não sejam a maioria no vilarejo, eles são capazes de fazer muito barulho e gostam de ser arruaceiros.

Eles reclamam que as novas regras restringem sua liberdade, e que o vilarejo caminharia para uma ditadura se todos usassem máscaras e mantivessem distância. Na visão dos sábios as medidas têm mais a ver com bom senso do que com ditadura, mas o prefeito e seus apoiadores desconfiam naturalmente da sabedoria e do bom senso.

Embora nada saiba sobre epidemiologia (é mais um especialista em armas de fogo, insultos e anticomunismo), sugere que seria melhor para todos ignorar o vírus e continuar como antes. E quanto aos mortos, não seria algo tão ruim, afinal, todos terão de morrer um dia. Isso faz sentido para seus apoiadores, pois, como em todos os lugares no mundo, também no nosso vilarejo há pessoas inteligentes e menos inteligentes. E em detrimento do mundo e também do vilarejo, vale a regra de que os inteligentes costumam ser os quietos, e os burros, os barulhentos.

Assim, o prefeito consegue dividir o vilarejo. Os moradores brigam cada vez mais entre si sobre o que se deve fazer, enquanto a doença se espalha e causa cada vez mais mortes. Mas o prefeito não gosta de falar sobre os mortos, em vez disso, ele reage com irritação ou faz piadas de mau gosto.

De repente, ele ouve falar que o prefeito do grande vilarejo vizinho supostamente tem uma cura milagrosa contra a doença. Todos os pesquisadores o contradizem, mas isso não importa ao nosso prefeito. Ele admira seu colega mais poderoso, que lhe mostrou como se vence uma eleição com mentiras e insultos. Ambos sabem como despertar os piores instintos nas pessoas, o que funciona brilhantemente com seus apoiadores. Também mentem, alegam tolices o dia todo e intimidam os outros moradores do vilarejo.

O vírus não parece se impressionar com tudo isso e continua a se espalhar. Cada vez mais pessoas vão parar no hospital, e o cemitério do vilarejo vai se enchendo.

Em algum momento, depois de vários meses de agonia, pesquisadores finalmente desenvolveram uma vacina contra o vírus. Mas o prefeito mais uma vez não está convencido e afirma que a vacina é perigosa. Por que ele faz isso, não está totalmente claro. Pode ser que tenha a ver com o fato de que, durante toda a sua vida, o prefeito tenha gostado do papel de sabotador o progresso. Outra razão pode ser que ele navega muito na internet e acredita em tudo o que vê ali.

E assim o prefeito simplesmente não compra vacina nenhuma para o vilarejo, apesar de receber ofertas. É realmente muito confuso. Pois, no começo, o prefeito tinha afirmado que o vilarejo não poderia parar. Mas agora que existe um meio para fazer as coisas andarem de novo, ele também não o quer e prolonga a paralisação e o sofrimento.

Felizmente, outras lideranças do vilarejo não entram mais nesse jogo e adquirem vacinas. A grande maioria dos moradores compreendeu que o imunizante é a melhor proteção contra o vírus e vai se vacinar. Cada vez menos pessoas ficam doentes, cada vez menos pessoas morrem.

Mas, como um pequeno menino chorão, o prefeito não está satisfeito. Ele continua a insistir que sua cura milagrosa é muito melhor do que a vacina. E inventa histórias fantasiosas de doenças que as pessoas contrairiam se fossem vacinadas. Mais uma vez não está bem claro por que ele faz isso, mas já não importa.

O que está claro é que o prefeito dividiu o vilarejo; que pessoas adoeceram e morreram devido à sabotagem dele; que ele só diz a verdade quando se cala; que ele pensa somente nele mesmo e não está nem aí para outras pessoas; que ele não está interessado em soluções, mas em conflitos.

Em última análise, o maior problema do vilarejo não era o vírus. O maior problema era e é o seu prefeito. O que se deve fazer com ele?

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Cartas do Rio

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio de Janeiro, em 2012. Na coluna Cartas do Rio, ele faz reflexões sobre os rumos da sociedade brasileira.