Índios venezuelanos querem de volta pedra exposta em Berlim
10 de dezembro de 2012O que era para ser uma obra para promover a paz mundial acabou virando um objeto de conflito entre um artista alemão e uma comunidade indígena na Venezuela.
Em 1998, o alemão Wolfgang von Schwarzenfeld encontrou na Venezuela, mais precisamente dentro do Parque Nacional Canaima, localizado na fronteira do país com o Brasil e Guiana, a pedra que considerou ideal para representar o continente americano no seu projeto Global Stones. Na exposição permanente localizada no parque Tiergarten, em Berlim, cada pedra simboliza o continente de onde veio.
Schwarzenfeld argumenta que a contribuição venezuelana foi uma doação feita pelo governo e pelo povo do país. Mas os indíos pemón, que habitam a região de onde a pedra foi retirada, contestam essa afirmação e dizem que pedra foi simplesmente levada sem que eles fossem consultados.
Os indígenas tentam até hoje recuperar a Kueka, nome pelo qual a pedra de 35 toneladas é conhecida. Em entrevista à DW Brasil, a líder pemón Lisa Percy conta que a Kueka possuiu um importante significado para a sua cultura. "Nossos avós insistem que as mudanças climáticas e os desastres naturais acontecem por causa da ausência da pedra", afirma.
A pedra do amor
No projeto Global Stones, a Kueka representa o amor. A lenda indígena em torno dela também está relacionada a esse sentimento. "Dois jovens apaixonados que não podiam ficar juntos foram castigados e transformados em pedra", conta Percy.
Ela relata mudanças que aconteceram na região nos últimos anos. "No inverno o rio enchia até o local onde estavam essas duas pedras, que formavam uma parede. Esse local enchia de peixes e hoje isso não acontece porque a Kueka não está mais lá", afirma.
A representante indígena se lembra do dia em que a pedra foi levada. Ela e quase toda a comunidade participavam de um bloqueio numa rodovia, em protesto contra a construção de uma linha de transmissão. "Ficamos acampados 24 dias e um dia chegou o caminhão transportando a Kueka. Perguntamos ao motorista quem autorizou a remoção da pedra, mas ele não sabia nos dizer. Então, pedimos para que ele a levasse de volta. Mas ele a deixou no posto da Guarda Nacional", relata Percy. Segundo ela, alguns meses depois a pedra foi transportada para Caracas.
Schwarzenfeld afirma que ele selecionou algumas pedras na região, mas a escolha final foi feita por cincos funcionários do parque, integrantes da comunidade indígena. Os indígenas contestam essa versão. "Ela foi levada quando não havia praticamente ninguém na comunidade. E todas as nossas decisões devem ser tomadas em conjunto", afirma Percy.
No período entre a remoção e o transporte para a Alemanha, houve protestos do governo venezuelano e de organizações ambientais, que tentaram impedir a ação, argumentando que era uma pedra valiosa. Mas, segundo o artista, ele possuia toda a documentação comprovando a doação e a pedra foi liberada.
Todos esses documentos e a autorização dada pelo governo venezuelano da época estão disponíveis no site do artista. Apesar disso, a situação é muito delicada. Teoricamente a remoção da pedra não seria possível, pois ela estava dentro de um parque nacional que, desde 1994, é patrimônio mundial da humanidade pela Unesco e deveria ser intocável. "Nós vivemos na região e não podemos retirar nenhuma pedrinha. Por que alguém de fora tem esse direito?", questiona Percy.
Devolução da pedra?
Em junho deste ano as manifestações para a devolução da pedra se intensificaram. Indígenas pemón protestaram em frente à Embaixada da Alemanha em Caracas. O artista declarou à imprensa que estaria disposto a devolvê-la, mas suas condições deveriam ser aceitas. A principal é receber uma nova pedra.
No entanto, passado quase seis meses, a Kueka continua no Tiergarten. As últimas informações que os índios receberam foi que o governo venezuelano está negociando a devolução com Schwarzenfeld. Para isso, o artista exige uma nova pedra para substituir a exposta.
"Nós não vamos enviar nenhuma pedra. Além disso, ouvimos que os custos de transporte não serão pagos pelo artista ou pelo governo alemão, e o governo venezuelano alega que as despesas devem ser cobertas por quem levou a pedra", diz Percy.
Ela afirma que os pemón não desistiram de recuperar a Kueka e estão planejando outras manifestações para o ano que vem. "Com esse caso, estamos também denunciando a cumplicidade do governo da época e das autoridades", diz Percy.
As negociações continuam
Schwarzenfeld afirma que, há 14 anos, a Kueka não possuía nenhum significado para os indígenas. Hoje eles estariam sendo manipulados por ativistas ambientais, políticos e funcionários estatais que criaram esse mito.
Apesar da controvérsia, o artista afirma estar disposto a procurar outra pedra em outro país americano para substituir a Kueka em sua obra. A Embaixada da Venezuela em Berlim confirmou as negociações, mas não quis comentar o assunto.
Segundo o Ministério do Exterior da Alemanha, o governo alemão não está participando das negociações, pois nenhum dos lados envolvidos solicitou o seu auxílio. Um porta-voz do ministério afirmou em junho que o ministério sabe que o problema existe e procura, com todos os envolvidos, encontrar uma solução consensual e satisfatória.
Autora: Clarissa Neher
Revisão: Alexandre Schossler