Tradição e renovação
12 de maio de 2011Anúncio
Ao ocupar a direção-geral da Ópera do Estado da Saxônia, no início da atual temporada, Ulrike Hessler assumiu uma instituição com enorme bagagem histórica. Ainda assim, na qualidade de primeira mulher à frente da casa, ela está avançando com uma abordagem original, e comprometida em estabelecer uma reputação internacional para a chamada Ópera Semper.
A casa de espetáculos em Dresden deve seu apelido ao arquiteto Gottfried Semper. Construída em 1841, à margem do Rio Elba, ela abriga hoje não só a ópera estadual, como a Orquestra da Saxônia e o Balé da Ópera Semper. Desde sua criação, nela atuaram como maestros alguns dos grandes nomes da música clássica, como Carl Maria von Weber e Richard Wagner.
Dos primórdios à RDA
O prédio com características renascentistas, barrocas e da Antiguidade grega foi destruído por um incêndio, e reconstruído em 1878 em estilo neo-renascentista. Três das óperas de Wagner foram estreadas na casa, assim como oito de Richard Strauss, o Doktor Faust de Ferruccio Busoni, Cardillac de Paul Hindemith e Der Protagonist de Kurt Weill.
A ascensão nazista, no início da década de 1930, forçou Hindemith e Weill a abandonarem Dresden, e o maestro residente, Fritz Busch, foi igualmente banido. O carreirista nazista Karl Böhm assumiu em 1934.
Quase no fim da Segunda Guerra Mundial, em fevereiro de 1945, a Ópera Semper voltou a ser destruída, desta vez por um bombardeio aéreo dos Aliados. Somente 40 anos mais tarde a casa foi reaberta em sua terceira encarnação, na República Democrática Alemã sob governo comunista.
"Vozes silenciadas"
Um dos primeiros projetos de Ulrike Hessler, em conjunto com o novo maestro titular, Christian Thielemann, aborda o passado obscuro da casa.
A exposição acompanhada de música Verstummte Stimmen (Vozes silenciadas) revela histórias pessoais de judeus perseguidos pelo nazismo. "É uma documentação do que aconteceu a todas as pessoas que tiveram que deixar os teatros – inclusive as casas de ópera – depois de 1933", explica a diretora-geral de 56 anos de idade.
Embora parte da vida cultural da "Florença do Elba" tenha sobrevivido aos devastadores bombardeios de 1945, os anos seguintes sob regime comunista impediram o intercâmbio e desenvolvimento. Ainda assim, nas palavras do diretor do corpo de baile, Aaron S. Watkin, "o elenco de cantores, a orquestra e balé [da Ópera Semper] mantiveram sua alma como uma grande família".
Parte dessa coesão de deveu à atuação de grandes artistas, como o diretor de cena Harry Kupfer, a coreógrafa Ruth Berghaus e o compositor Udo Zimmermann, nos anos 1970. "Esta casa de ópera foi sempre conhecida como um monumento. E o que ocorre dentro dela está em movimento", afirma Watkin.
A visão do diretor para o seu balé é um repertório de dança completo, que possa ser apreciado por públicos de todas as idades. Segundo Hessler, tal abordagem coincide com as metas globais da companhia.
Três ideais
Entretanto um dos maiores desafios para a instituição é o envelhecimento do público. "Estamos prestes a perder a geração mais jovem, porque os pais dos adolescentes pertencem a uma geração que, na verdade, nada tem a ver com a ópera e o teatro-música. Temos que trabalhar duro para reconquistar os mais jovens e seus pais", salientou a diretora.
Parte desse processo de regeneração é formar um conjunto musical mais jovem, declara o primeiro violoncelista da Orquestra do Estado da Saxônia, Isang Enders. E ressalta: "É realmente um grande bônus para esta orquestra os membros mais antigos ainda estarem em boa forma e conseguirem comunicar a sonoridade".
Para Ulrike Hessler, o processo de transformar a ópera de Dresden se aglutina em torno de três ideais. Ela deseja expandir o repertório para além da ópera alemã e italiana, incluindo mais obras barrocas e norte-americanas. Além disso, encomenda novas peças a compositores contemporâneos. Dentre estas, a estreia mais recente foi Gisela!, de Hans Werner Henze.
Em terceiro lugar, Hessler é da opinião que as novas produções da Ópera Semper devem permitir interpretação multifacetada, refletindo o ponto de vista tanto do público jovem como do mais maduro. "Se a ópera é boa, é o lugar certo para quem quer viver emoções fortes", pontifica a diretora.
Louco por "Tristão e Isolda"
A Ópera Semper voltou a funcionar como teatro de repertório, apresentando um programa novo a cada noite. Ela ostenta 30 óperas e 15 balés diferentes em seu repertório, e chega a lançar dez novas produções a cada temporada. "Isso nos dá a oportunidade de aprimorar cada ópera e de desenvolver artistas. Contamos com jovens cantores de cinco continentes", orgulha-se Hessler.
Com o fim de motivar os espectadores mais novos, um grupo mais jovem apresenta obras especialmente criadas para eles. O local é um antigo palco de ensaios, na moderníssima "Gläserne Manufaktur" (Fábrica Transparente), uma unidade de produção da montadora Volkswagen em Dresden.
"Vinte récitas estavam de lotação esgotada, um mês antes da data. Nós constatamos que há necessidade de um repertório especial para um público mais jovem", comenta Hessler. Uma vez tendo adquirindo o gosto pela ópera, este "precisa ter vontade de assistir Tristão e Isolda", projeta a diretora-geral.
O violoncelista Enders, pelo menos, não tem dúvidas sobre a beleza dessa obra de Richard Wagner. "Não existe melhor experiência em música do que o início do Tristão! Começar essa obra de cinco horas de duração com apenas uma corda lá solta... é simplesmente a música mais incrível que já se escreveu."
Autor: Peter Zimmermann / Augusto Valente
Revisão: Carlos Albuquerque
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