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África do Sul: Polícia impõe confinamento com violência

Adrian Kriesch (Cidade do Cabo) | kg
3 de abril de 2020

Confinamento obrigatório imposto pelo Governo sul-africano está a resultar em detenções, multas e até mortes. Medida implementada para conter a transmissão da Covid-19 dificilmente é cumprida, sobretudo nas zonas pobres.

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Polícia aponta arma a populares para manterem a distância de segurança no bairro de Yeoville, em JoanesburgoFoto: AFP/M. Longari

"É traumatizante. Nunca fui espancada desta maneira. Fiquei com tantas dores durante três dias que nem consegui ir à farmácia. Se nem a polícia nos pode ajudar, em quem podemos confiar?". É o questionamento de uma sul-africana da Cidade do Cabo que foi agredida pelas forças de segurança pelo simples facto de estar na calçada da rua em frente à sua própria casa.

A jovem que não se quis identificar foi levada para dentro da sua residência, onde foi atacada com paus e chicotes em frente à sua filha pequena. A sua face e as suas pernas estão inchadas.

Outro homem que não quis ser identificado alega que levou socos e pontapés da polícia depois de ser detido por estar na via pública. "Ele deveria estar em casa, porque está em vigor um confinamento obrigatório. Ele não tem nenhum motivo para estar na rua. Por isso, foi detido", explica um polícia.

O sul-africano foi multado em cerca de 1.500 rands sul-africanos, o equivalente a 80 euros. Mas não tem dinheiro para pagar.

"Eu estou desempregado. Por isso, estava a caminho da casa do meu irmão para poder comer alguma coisa. E agora tenho de pagar uma multa. Porque é que só eu é que levei uma multa e os outros aqui não? Se eu voltar agora para casa, vão perguntar-me porque estou a correr", afirma.

Por onde a polícia passa, todos os que estão na rua começam a correr, porque sabem que não deveriam estar fora das suas casas. A sensação geral é de medo e os polícias revelam estar ansiosos.

As forças de segurança admitem que mal conseguem manter sob controlo zonas onde há muita gente. As regras de confinamento estão longe de serem aplicadas de forma sistemática. Na verdade, a polícia parece fazê-lo de forma aleatória. Quem não consegue correr rápido o suficiente é preso.

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Agente da polícia força um homem que se estava a esconder a ir para casa, na Cidade do CaboFoto: AFP

Abuso policial

Dezenas de casos de violência policial e militar contra civis foram registados desde o início do confinamento obrigatório. Pelo menos três civis foram mortos por polícias.

No seu último pronunciamento à nação, o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, agradeceu às forças de segurança pelo seu trabalho, mas também as lembrou dos seus deveres. A declaração foi feita depois de vários vídeos com exemplos de violência policial durante o confinamento se terem tornado virais na Internet. 

"Vocês sabem que têm de cumprir sempre a lei. Não devem prejudicar ninguém do nosso povo, de nenhuma forma", afirmou o chefe de Estado sul-africano.

Mandy Lawrence, da Polícia da Cidade do Cabo, defende a ação policial severa nas áreas urbanas periféricas.

"Se eles [cidadãos] não ouvem, coisas assim acontecem, infelizmente. Não estou a dizer que está certo. Mas em algumas áreas os moradores só entendem essa 'linguagem'. Eles têm que levar a sério o facto de que devem ficar nas suas casas", explicou.

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Cumprir um distanciamento mínimo de dois metros é muito díficil, sobretudo em zonas muito populosasFoto: AFP/M. Longari

Tensão aumenta

Apesar dos alertas lançados, é difícil para os sul-africanos obedecerem ao confinamento obrigatório, especialmente nas áreas mais pobres do país, sobrepovoadas. O pedido para manter o distanciamento físico não é respeitado, por exemplo, nas longas filas de um supermercado em Khayelitsha, o maior 'bairro de lata' da Cidade do Cabo. As pessoas espremem-se para conseguir entrar no estabelecimento.

Muitos trabalhadores que ganham o seu sustento dia após dia não se podem simplesmente dar ao luxo de ficar em casa durante longos períodos.

Em grande parte dos casos, muitas pessoas moram juntas na mesma casa, de uma só assoalhada, sem água nem eletricidade. Nas próximas semanas, a polícia teme que a tensão social possa piorar.

O confinamento obrigatório de três semanas foi imposto a 26 de março pelo Governo da África do Sul e já dura há uma semana. Com mais de 1.400 casos da Covid-19 registados e cinco óbitos, o Governo quer salvar o já fragilizado sistema de saúde do colapso.

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