África pelas ruas e avenidas de Portugal
11 de maio de 2018Há cada vez mais uma África que vibra em Portugal, quer na música ou na literatura, quer noutras áreas da vida social e cultural da sociedade portuguesa.
Do glorioso Eusébio da Silva Ferreira à diva Cesária Évora, que dão nome a avenidas na Grande Lisboa, também são de destacar figuras como Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Mário Pinto de Andrade, políticos e nacionalistas africanos que passaram por Portugal e daí desencadearam a luta contra o colonialismo português a favor da autodeterminação e independência das antigas colónias em África.
Toponímia de algumas freguesias
Na pequena aldeia do Cabreiro, freguesia de Alcabideche, em Cascais, a maioria dos residentes não faz ideia de quem era Óscar Ribas (1909-2004), considerado um dos maiores expoentes da cultura angolana, cujo nome foi atribuído a uma das ruas mais recentes da aldeia.
Uma das pessoas que desconhecia o escritor, natural de Luanda, é Adolfo Salgueiro, residente em Cabreiro há cerca de 50 anos. Mas acolhe a ideia da Rua Óscar Ribas com simpatia.
"Acho bem, tem o mesmo direito que tem os portugueses. Portugal quer pessoas boas. Mas é uma rua nova que ninguém conhece. Pois não, tirando os que moram aqui ninguém conhece".
A Rua Óscar Ribas, inaugurada recentemente, cruza com a Zé Afonso e está próxima de outros ruas que distinguem nomes ímpares da cultura portuguesa como Eugénio de Andrade, Vergílio Ferreira e Ary dos Santos. Foi com agrado que Luandino Carvalho, adido cultural da Embaixada de Angola, a residir perto daquela rua, em Cascais, recebeu a notícia. O diplomata recorda outros nomes de angolanos que fazem parte da toponímia portuguesa, entre os quais Agostinho Neto (1922-1979), fundador do MPLA e primeiro Presidente de Angola, mas também Mário Pinto de Andrade (1928-1990) – com rua em Corroios/Seixal na margem sul do Tejo – que integraram o movimento estudantil em Portugal e participaram nos processos de libertação pela independência dos países africanos do jugo colonial.
"Eu lembro-me também da Avenida Raul Indipwo (1933-2006) [do Duo Ouro Negro], Rua Agostinho Neto, para falar de mais algumas relacionadas com Angola que, de facto, confirmam essa forte ligação cultural e afetiva que há entre Portugal e os países que tiveram ligações já de séculos com este país. No fundo, cabe a Portugal, aos seus autarcas e as respetivas populações que acolhem estas ideias passá-las para a prática e é um reconhecimento que acaba por ser eterno depois".
Outras figuras dos PALOP
Na lista, não figuram apenas angolanos. Nalguns concelhos portugueses onde vivem comunidades africanas – Olival Basto (Odivelas), Santa Iria da Azóia (Loures), Vialonga (Vila Franca de Xira), Baixa da Banheira (Moita/Setúbal) e Évora (Alentejo) – há ruas atribuídas a Samora Machel (1933-1986), primeiro Presidente de Moçambique, e a Amílcar Cabral (1924-1973), fundador do PAIGC e pai da independência da Guiné e Cabo Verde.E Paula Machado, técnica do Núcleo de Toponímia do Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa explica que "também há uma Praça Eduardo Mondlane, relativo a Moçambique. Tudo isso, foram vereadores que na própria sessão de Câmara, em 1983, propuseram que todos eles fossem nome de rua. Com a diferença de alguns meses foram primeiro Agostinho Neto e Amílcar Cabral em ruas e depois foi Eduardo Mondlane [fundador da FRELIMO] numa praça em Marvila. Os outros dois estão na freguesia do Lumiar".
Parte de outro processo, Eusébio da Silva Ferreira (1942-2014), glória do futebol português nascido em Moçambique e que ocupa um lugar nobre no Panteão Nacional, ganhou uma avenida um ano após a sua morte, atribuída por unanimidade quando o atual primeiro-ministro, António Costa, era presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Na ocasião António Costa justificou "a escolha deste troço da segunda circular – uma das principais artérias da cidade e uma das principais vias de entrada e saída da capital – leva o nome de Eusébio da Silva Ferreira como ele levou o nome de Lisboa um pouco por todo o mundo. É também de grande simbolismo a escolha deste local, pois está junto ao sítio onde tantas alegrias viveu e tantas alegrias proporcionou, quer com a camisola do seu clube de sempre quer com a camisola das quinas ao peito".
Eusébio tem o seu nome em várias outras ruas em Portugal. O ex-futebolista Matateu (1927-2000), seu conterrâneo, também faz parte da toponímia de Lisboa, igualmente sob proposta do respetivo clube.Cesária Évora (1941-2011), a diva cabo-verdiana conhecida por Cize, é igualmente homenageada com uma avenida em Oeiras.
Atualmente, segundo Paula Machado, técnica da Câmara Municipal de Lisboa, não existe qualquer proposta de outros nomes de figuras africanas para avenidas, ruas ou praças.
No entanto, Luandino Carvalho é de opinião que, baseado no princípio da reciprocidade, as autarquias dos países africanos de língua portuguesa deveriam considerar igual tratamento nos respetivos projetos de novas cidades, avenidas, ruas e largos.
Isto porque admite existirem também "muitas referências de nomes da História de Portugal que poderiam encaixar-se nesse critério".
Inclusive, sublinha, "nomes que tiveram ligações culturais e mesmo políticas positivas com os nossos países".