Portugal: O "Racismo no País dos Brancos Costumes"
5 de maio de 2018A consagração pelo Parlamento português do dia 21 de maio como Dia Nacional para a Eliminação da Discriminação Racial é já um passo "bastante positivo", na perspetiva de Joana Gorjão Henriques. Para a jornalista portuguesa, a recente aprovação da data significa que há um reconhecimento desta problemática. Mas é preciso que isso corresponda, "na prática, a medidas e ações para combater a descriminação racial".
Joana Henriques é autora de "Racismo no País dos Brancos Costumes", já nas livrarias portuguesas e apresentado este sábado (05.05) em Lisboa. "Prevalece a ideia de que não há racismo em Portugal", afirma a jornalista, questionando se este é de, facto, um país que acolhe bem os imigrantes. "Na verdade, se formos a ver à lupa e fizermos um zoom, as situações de discriminação são inúmeras, repetidas", sublinha.
Histórias reais de racismo
A autora do livro "Racismo no País dos Brancos Costumes" retrata exemplos concretos, recorrendo a dados e mais de 80 entrevistas, que demonstram as situações de racismo em várias áreas (justiça, educação, habitação e emprego). São histórias reais que acontecem no Portugal de hoje, um país que mais depressa condena um negro e que recusa a nacionalidade portuguesa aos filhos de imigrantes nascidos no território nacional, entre outras.
No que toca à justiça, com base nos dados dos serviços prisionais que consultou, Joana Gorjão Henriques conclui que "um cidadão dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) tem dez vezes mais probabilidade de estar na prisão do que um cidadão português".
"Isto significa que, comparando, por exemplo, com países como os EUA, que têm taxas elevadíssimas de encarceramento – e também taxas elevadíssimas de encarceramento de afro-americanos – é o dobro. Portugal apresenta o dobro relativamente aos cidadãos dos países africanos", explica a autora. Neste cenário, acrescenta a jornalista, falta incluir os cidadãos portugueses negros: "Essa fotografia ainda poderia ser mais chocante, as diferenças poderiam ser ainda maiores se incluíssemos os portugueses negros e o fizéssemos por diferenças raciais e não por origem nacional".
"Acontece que, em Portugal, não é possível fazer essa recolha de dados e, portanto, teve que se recorrer àquilo que alguns sociólogos chamam de proxy, ou seja aproximação, que foi através dos dados da imigração", afirma.
Preconceito mantém-se
Infelizmente, lamenta a autora, "continuamos a associar a questão da cor da pele à imigração, ou seja: continuamos a dizer que os cidadãos imigrantes são negros e que os cidadãos negros são necessariamente imigrantes".
Os testemunhos recolhidos por Joana Gorjão Henriques indicam que, independentemente de ser português ou não, a cor da pele é um fator de discriminação.
"Uma das minhas entrevistadas conta o facto de só ter sido selecionada para uma posição de bancária porque não tinha posto a sua fotografia no curriculum vitae. Coisa que o chefe mais tarde lhe confessou, que só a tinha chamado porque não tinha percebido que ela era afrodescendente", conta.
"Até a pessoa que vai à procura de casa [para habitar] e que, por causa do seu sotaque, lhe é dito automaticamente, antes de qualquer pergunta, que a casa afinal já não está disponível, quando, no segundo a seguir, liga um cidadão com um sotaque lisboeta e a casa é disponibilizada".
Este e outros exemplos, testados pela jornalista, indicam claramente que ainda "há um preconceito", em pleno século XXI. Joana Gorjão diz que Portugal é um país de brandos costumes, como se diz, mas também de brancos costumes como diz o título do livro.
Este e outros exemplos, testados pela jornalista, indicam claramente que ainda "há um preconceito", em pleno século XXI, em Portugal. "Vivemos a ilusão de sermos um país de brandos costumes", mas também de "brancos costumes" como contextualiza o título do livro.
Estas realidades também inquietam os grupos de ativistas negros, preocupados com a forma como o colonialismo ainda marca o discurso sobre as práticas raciais na sociedade portuguesa. Segundo Joana Gorjão Henriques, as práticas de discriminação pela cor da pele "poderão ser corrigidas paulatinamente quando os poderes públicos, as entidades políticas com responsabilidade, começarem a analisar e a perceber as situações de racismo com seriedade, identificando os factos e implementando políticas para as corrigir".