"FRELIMO tem que entender que Moçambique é um país novo"
27 de junho de 2022A Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) foi fundada em 1962. Dirigiu a luta de libertação nacional até à proclamação da independência a 25 de junho de 1975. Controla o poder político e económico do país desde então.
60 anos depois, académicos ouvidos pela DW África entendem que a FRELIMO perdeu os ideais que a guiou até à independência.
O professor de Ciência Política, Salvador Forquilha, refere que a atual FRELIMO apresenta "uma ausência de um projeto de sociedade aglutinador, muito mais estruturado e robusto capaz de responder àquilo que são as necessidades do país hoje".
Para o sociólogo João Colaço, "quando olhamos para a FRELIMO de hoje, vemos que há uma parte mais virada para a acumulação de capital, mais virada à construção de bases socioeconómicas mais individuais. Mas aquilo que deve ser pensar-se no bem comum tende a apresentar-se mais ausente do que já foi no passado".
Salvador Forquilha concorda que existem dentro da FRELIMO alas ou grupos de interesse que se sobrepõem à causa nacional.
"Claramente há grupos e o que está em jogo nestas facções não é um projeto de sociedade. Estas fações que existem dentro da FRELIMO têm mais a ver com negócios. E não existe um interesse associado à visão do país".
Em Moçambique, as assimetrias sociais e a exclusão social estão cada vez mais enraizadas.
Desde o fim da guerra dos 16 anos, Moçambique registou um bom crescimento económico. Mas também aumentou muito o fosso entre os mais pobres e os mais ricos. Algumas correntes nacionais acusam a FRELIMO de controlar os negócios no país.
O sociólogo João Colaço observa que "a questão das desigualdades sociais, toca obviamente com o comum dos moçambicanos. E este é um dos grandes desafios dos nossos dias", diz: "como garantir que tenhamos um país onde a nossa estrutura de oportunidades alcance todos os moçambicanos e faça com que cada um sinta que faz parte deste país".
O académico alerta que a exclusão social é um risco para a unidade nacional.
Moçambique é "um país novo"
"A FRELIMO tem que entender que vivemos tempos de mudança. Há que se ter esta capacidade de que não se está a gerir o mesmo país de há 20 ou 30 anos. É um país novo com uma nova geração".
Mas que papel deve ter a juventude da FRELIMO para fazer face aos tempos de mudança e às assimetrias sociais?
Na opinião de Salvador Forquilha, "a maneira como as lideranças da Organização da Juventude Moçambicana (OJM) se posicionam sobre determinados assuntos mostra claramente que não há um debate sobre o projeto do país".
No entanto, o secretário-geral da OJM, discorda. Em entrevista à DW, Silva Livone garante que o braço juvenil da FRELIMO está preocupado com o país e "continuará a privilegiar a questão da inclusão política".
"É para nós bastante importante podermos promover a convivência da juventude moçambicana sem olhar para as cores partidárias", explica.
João Colaço mostra algum ceticismo. Para o sociólogo moçambicano, a OJM "tem dificuldades de encontrar o seu próprio caminho dentro da própria FRELIMO, porque a velha guarda, o grupo dos radicais, ainda continua muito presente e bastante acutilante na sua visão sobre o partido".
O que é preciso mudar?
Silva Livone diz estar ciente dos desafios do país. E elenca o que, no seu entender, deve ser erradicado: "repudiamos as práticas de corrupção. Repudiamos os jovens que se deixam levar por dinheiro e pelos bens materiais para situações que são maléficas para a sociedade moçambicana".
O dirigente advoga, no entanto, que para que essa batalha contra a corrupção seja vencida, deve-se trabalhar na "consolidação das instituições” e "a juventude deve ganhar mais consciência sobre o seu papel na sociedade".
Já o pesquisador Salvador Forquilha propõe um debate nacional sobre aquilo que deverá ser a visão nacional do futuro.
Sem esse debate, entende Forquilha, "não é possível construir um projeto de sociedade. Não é possível trazer as pessoas para o mesmo barco".