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"A Guiné-Bissau precisa de um Governo de tecnocratas"

31 de maio de 2022

A Guiné-Bissau é "campeã" em organizar eleições. O maior calcanhar de Aquiles do país é como garantir que uma legislatura chega ao fim. Um novo Governo de tecnocratas seria capaz de refundar o Estado?

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Foto: DW/Braima Darame

Haverá mais um Governo com os mesmos rostos de sempre na Guiné-Bissau? É a pergunta que muitos guineenses colocam neste momento em que se aguarda pela formação de um novo Executivo inclusivo, de iniciativa presidencial. 

Com a interrupção da décima legislatura, provocada pela dissolução da Assembleia Nacional Popular, a 16 de maio, muitos guineenses pedem a formação de um Governo de tecnocratas, capaz de reorganizar as estruturas do Estado e preparar o país para uma estabilidade governativa pós-eleitoral duradoura. Uma miragem?

"As pessoas que primam pelo interesse nacional acreditam que é necessário um Governo descomprometido com interesses políticos imediatos, que possa realizar reformas e catapultar o país para um período pós-eleitoral mais suavizado", diz o jurista Lesmes Monteiro em entrevista à DW África.

"Todos querem dinheiro do Estado"

Tendo em conta a acesa luta pelo poder entre os principais atores políticos, o jovem reconhece que a proposta de um Governo apartidário, de tecnocratas, parece ser uma carta fora do baralho.

"Há um formato na Guiné-Bissau que leva os partidos a pensar que é através do Governo que vão aceder às fontes de financiamento das suas atividades políticas através dos recursos económicos do Estado. Neste momento, todos querem estar no novo Governo", afirmou.

O chefe de Estado, Umaro Sissoco Embaló, garantiu que será um Executivo que inclua"todos os partidos políticos", nomeadamente os que tinham representação parlamentar.

Para já, a recondução de Nuno Gomes Nabiam como primeiro-ministro e a insistência em Soares Sambú como o seu vice (uma figura inexistente na Constituição guineense) deitou por terra a possibilidade de ser um tecnocrata, apartidário, a chefiar o Executivo.

O jurista Lesmes Monteiro nota que o Presidente Umaro Sissoco Embaló "já começou a pensar num segundo mandato e não quer perder a aliança dos partidos políticos".

Guinea-Bissau Polizei blockiert Zugang zum PAIGC Parteizentrum
É impossível ter apartidários num Governo de inclusão?Foto: DW/Braima Darame

Para a socióloga Cadija Mané, reorganizar as estruturas do Estado deveria ser a prioridade, e não realizar eleições, sobretudo devido à crise social e política que agravou a qualidade de vida dos guineenses.

Mané lembra que o país já organizou várias eleições tidas como livres, justas e transparentes, mas isso não evitou a instabilidade pós-eleitoral e atrasou o desenvolvimento. "Até porque nenhum dos Governos tem completado o seu mandato, apesar das eleições."

Constituição ignorada

Desde a guerra civil de 1998 que a Guiné-Bissau entrou num cenário de ingovernabilidade.

O penúltimo Presidente, José Mário Vaz, foi o primeiro na história do país a concluir o mandato presidencial. Mas o poder Executivo ainda não teve a mesma sorte. As legislaturas são sempre interrompidas ora por golpes de Estado, ora pela demissão do Governo ou pela dissolução do Parlamento.

O país continua à procura de alguém capaz de respeitar, pelo menos, a Constituição República, observa Cadija Mané, que defende a formação dos políticos e cidadãos em matéria de cidadania. "É uma questão de reeducação cívica, de princípios, de valores que são essenciais para que possamos viver num país que respeita as regras democráticas e o funcionamento da Justiça", afirma.

Será possível avançar para a almejada refundação do Estado guineense, para acabar de vez com as cíclicas instabilidades políticas?

Jurista guineense Lesmes Monteiro
Lesmes Monteiro: "O formato existente é de aceder ao poder"Foto: Privat

Lesmes Monteiro não acredita que os atuais atores políticos estejam interessados na refundação do Estado.

"Porque o formato existente é de aceder ao poder, ter influência suficiente e aproveitar do Estado para alimentar grupos de interesses", diz o jurista e jovem político.

Papel dos jovens e das mulheres

O ex-dirigente do Movimento dos Cidadãos Conscientes e Inconformados, que costumava realizar manifestações de rua contra o anterior Presidente (atualmente, os protestos estão proibidos), antevê "os mesmos de sempre" no próximo Governo.

O jurista e ativista duvida também que haja jovens no figurino governamental, porque a juventude não está interessada: "Infelizmente, temos uma juventude que não compreende que o seu momento é hoje. É agora!"

Além disso, a Guiné-Bissau precisa de mais mulheres no Governo, lembra a socióloga Cadija Mané. O país nunca teve uma mulher eleita como Presidente da República ou nomeada líder do Governo, apesar dos muitos executivos em décadas de instabilidade governativa.

Cadija desafia o Estado guineense a proporcionar oportunidades para que as mulheres possam contribuir, por serem capazes. "E tenho a certeza de que, com mulheres no poder, vão ter resultados mais significativos na governação".

As eleições legislativas antecipadas estão marcadas para 18 de dezembro. Mas quem vai entrar no novo Governo e quem vai assumir as pastas-chave são questões que estarão a atrasar o anúncio do novo elenco em Bissau.

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