Adiamento das distritais expõe "medo" da FRELIMO
3 de agosto de 2023Com 178 votos da bancada da FRELIMO, o partido no poder, o parlamento moçambicano aprovou a revisão pontual da Constituição da República de Moçambique, adiando a realização das eleições distritais de 2024. Os dois partidos da oposição, RENAMO e MDM, votaram contra.
Em entrevista à DW África, Ivan Maússe, pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP), diz que está gorada a oportunidade do estado devolver o poder às comunidades, porque politicamente "a FRELIMO tem medo de perder o poder".
DW: Como vê esta decisão do Parlamento?
Ivan Maússe (IM): A partir do momento em que essas matérias ligadas à descentralização, de modo particular as eleições distritais, passaram a estar previstas na Constituição, passaram a deixar de ser matéria de forças políticas, e passou a ser um direito dos moçambicanos. Logo, para que houvesse qualquer alteração a esta norma constitucional, deveria ser necessário que houvesse a consulta dos moçambicanos, que seriam os legítimos destinatários deste modelo ou destas eleições que nós iríamos realizar no próximo ano.
DW: O que significaria a consulta aos moçambicanos? Seria um referendo?
IM: Seria um referendo. Infelizmente não sei se foi propositado ou não, em Moçambique, matérias ligadas à descentralização não estarem sujeitas areferendo, o que é um dado muito curioso, porque os termos do artigo 138º da Constituição República determinam que o referendo é realizado para haver uma auscultação pública sobre os grandes assuntos da nação moçambicana. A matéria sobre descentralização é claramente um assunto que é de grande relevância. Infelizmente, o referendo não foi regulamentado. Não existe lei do referendo em Moçambique.
DW: Uma vez mais o cidadão fica excluído do processo de decisão sobre grandes matérias da nação.
IM: Sem dúvidas. A matéria da descentralização veio provar o quão deficiente é o nosso sistema político, porque não se pode tomar decisões de grande relevância como esta, que é a devolução do poder à comunidade, para que ela seja ela própria a decidir por si mesma os destinos próprios.
DW: Com esta aprovação no Parlamento, fica mais uma vez adiado o sonho dos cidadãos de elegerem os seus próprios administradores, pelo menos para já.
IM: Ficam adiadas para o futuro se o próprio Parlamento não nos disser com alguma clareza quais são as condições que tornam viáveis as eleições distritais, porque, de acordo com a nova orientação, as eleições vão ser realizadas quando as condições estiverem efetivamente criadas para a sua realização. E a pergunta é: quais condições?
DW: O que é que pode estar por detrás deste temor de devolver o poder às comunidades?
IM: O proponente do adiamento é a FRELIMO. É a FRELIMO que controla praticamente todo o país. Num quadro em que se descentraliza, em que as comunidades locais têm a possibilidade de por si próprias decidirem o seu destino e os seus líderes, é claro que é um ponto de partida para o partido FRELIMO perder alguma legitimidade ao nível de alguns territórios do país. E, como se diz, o poder muitas vezes, em algumas ocasiões, não se arranca do topo para a base, mas ataca-se da base. Se essas bases de oposição começaram a ganhar alguma legitimidade, alguma aceitação, é um ponto de partida para que, a nível macro, a FRELIMO possa perder legitimidade.
DW: Está a tentar dizer que é o medo de partilhar o poder?
IM: Sem dúvida, até porque em Moçambique o poder sempre foi visto como um meio para dar emprego. A política é emprego e trabalho em Moçambique.