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Ana Gomes: Reformas em Angola têm de "passar pela Justiça"

5 de dezembro de 2017

Eurodeputada socialista Ana Gomes condena as recentes declarações do chefe da diplomacia angolana, que anunciou que sem um desfecho no caso Manuel Vicente, Angola não coopera com Portugal.

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Foto: Europäische Union - Referat Audiovisuelle Medien

A Justiça portuguesa insiste, por vias legais, em ouvir em Lisboa o antigo presidente da petrolífera estatal angolana Sonangol por envolvimento em crimes de corrupção e branqueamento de capitais, de acordo com a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Fontes judiciais já avançaram que o julgamento está agendado para janeiro de 2018, depois de diligências junto das autoridades angolanas.

A eurodeputada socialista Ana Gomes não tem dúvidas que assim será, por confiar na independência dos tribunais em Portugal.

"Espero que em Portugal ninguém tenha a ousadia de impedir a Justiça de fazer o seu trabalho", afirma Gomes em entrevista à DW. "Tanto quanto eu sei, houve uma consideração de um Tribunal de Recurso no sentido de manter a submissão de Manuel Vicente, não lhe reconhecendo qualquer imunidade. Portanto, o processo de investigação de branqueamento de capitais deverá prosseguir em Portugal."

"Ponto de honra em defesa de Vicente"

Na semana passada, o chefe da diplomacia angolana, Manuel Augusto, afirmou, em defesa do ex-vice-Presidente Manuel Vicente, que "enquanto o caso não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções […] de colaboração com Portugal".

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Manuel Vicente, antigo vice-Presidente angolanoFoto: Reuters/E. Munoz

"Este já não é um caso individual de Justiça, é um caso do Estado angolano e enquanto não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas ações de cooperação com Portugal, e competirá às autoridades do Estado português verem se vale a pena esta guerra", sublinhou Augusto.

A eurodeputada Ana Gomes diz, no entanto, que "é absurdo ver o Estado angolano a fazer ponto de honra em defesa de Manuel Vicente", pois o caso remonta ao período em que Vicente liderava a Sonangol, antes da sua nomeação para a vice-Presidência angolana, "quando não estava coberto por nenhumas imunidades". Mesmo se tivessem sido atos ocorridos durante o seu tempo como vice-Presidente de Angola, Vicente não teria imunidade diplomática - apenas o chefe de Estado poderá considerar-se imune, nos termos da Convenção Diplomática de Viena, sublinha.

"Não sei se é verdade ou não - dizem que ele [Vicente] tem um relacionamento especial com o Presidente João Lourenço", comenta Gomes. Seria "muito trágico para Angola que venhamos a assistir a um esquema idêntico ao que acontecia com a nomenclatura de dos Santos, que usa o Estado angolano para proteger os seus, quando os seus são quem defraudou o Estado angolano e quem praticou crimes, designadamente em Portugal, de branqueamento de capitais."

"Não há ninguém mais corrupto do que atual Procurador-Geral"

Portugal Lissabon João Maria de Sousa, angolanischer Staatsanwaltschaft
João Maria de Sousa, Procurador-Geral da República de AngolaFoto: DW/João Carlos

Neste contexto, Ana Gomes aplaude as primeiras medidas tomadas por João Lourenço, que considera ser um sinal de rotura com o passado, mas também defende a necessidade de uma reforma da Justiça em Angola, face à promessa do novo Presidente de combate à corrupção.

"É claro que nada disto é sustentável se, de facto, não passar pelo sistema de Justiça, justamente porque tudo foi contaminado pela corrupção em Angola e o sistema de Justiça foi absolutamente instrumentalizado para os corruptos", diz Gomes. "Quer dizer, não há ninguém mais profundamente corrupto em Angola do que o atual Procurador-Geral [da República], João Maria de Sousa, que está em vias de ser substituído e foi objeto de uma investigação por branqueamento de capitais aqui em Portugal."

Ana Gomes: Reformas em Angola têm de "passar pela Justiça"

A eurodeputada acredita na capacidade e seriedade de João Lourenço em fazer mudanças e, como tal, acrescenta, também deve "dar sinais muito claros de que a Justiça em Angola vai passar a funcionar de forma independente". Gomes não poupa igualmente críticas a alguns empresários, banqueiros e advogados portugueses corruptos ou coniventes com a corrupção, envolvidos em "esquemas de organização de branqueamento de capitais" com parceiros angolanos.

"Isto não pode ser a base saudável do relacionamento duradouro entre Portugal e Angola", avisa numa longa entrevista à DW em que também questiona, a propósito da investigação Panama Papers, o facto de o Fundo Soberano estar ainda nas mãos de José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente de Angola.

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