Clã dos Santos usa as armas dos inimigos para sobreviver
23 de dezembro de 2019Só este mês de dezembro houve três ações judiciais iniciadas por destacados membros da família do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos: Isabel dos Santos contra a ex-eurodeputada portuguesa Ana Gomes, que muito se dedicou a denunciar os seus supostos ilícitos, e o marido de Isabel dos Santos, Sindika Dokolo, contra a Sodiam, empresa angolana de comercialização de diamantes, um ex-sócio de quem terá ganho benefícios pela posição privilegiada.
Também Welwitschea dos Santos submeteu uma impugnação no Tribunal Constitucional de Angola por ter perdido o mandato de deputada no Parlamento angolano, exigindo ser ouvida. Tchizé, como é conhecida, terá excedido o perído de ausência no Parlamento, violando assim um regulamento.
Durante os últimos anos esta família é que foi alvo de processos sem conta, tanto em Angola como fora do país. Por isso as suas recentes iniciativas são até certo ponto surpreendentes.
"Deveriam ter vergonha e parar de agir dessa maneira"
E o facto mereceu uma reação de repúdio por parte do ativista da ONG Friends of Angola, Rafael Morais. Entende que "deveriam ter vergonha e parar de agir dessa maneira. Esse favoritismo que tiveram quando José Eduardo dos Santos estava no poder prejudicou de tal maneira os cidadãos angolanos, que hoje o Estado angolano está na condição em que está por culpa desses indivíduos que andaram a delapidar o Estado angolano."
E o Morais defende que "eles deveriam pedir desculpas ao Estado angolano e devolver aquilo o dinheiro que delapidaram ao Estado. O povo angolano hoje está a morrer a fome".
A guerra entre o clã dos Santos e o Presidente da República não é facto novo, há quem considere que mais do que combater a corrupção, João Lourenço está é a perseguir a família do ex-Presidente, numa espécie de revange.
Mas também há uma certeza generalizada de que a família dos Santos abusou dos bens do Estado para benefício próprio. Mas se a guerra não é nova, a estratégia do clã na justiça parece ser.
Ações na justiça: sobrevivência e autodefesa
O que estará a motivar a ofensiva do clã dos Santos? Sentimento de revolta? O jurista Albano Pedro responde: "Chamar revolta como tal, não. Trata-se de defesa, necessidade de sobrevivência, porque com o risco de ser extinto, é um processo de extinção que esta família está a correr, então a reação representa uma necessidade de sobrevivência".
E esta opinião é comungada pelo analista político David Kissadila: "Acho que o que está a acontecer neste preciso momento é a procura de formas de ripostar os problemas que estão a viver, eles querem encontrar formas de sair deles. Se calhar se justificarem e inclusive de se autodefenderem."
E o clã escolheu fazer as investidas a partir do exterior. A saída das filhas do ex-Presidente angolano do país é entendida por certas correntes como uma fuga às ações iniciadas pelo Presidente João Lourenço.
Zenú, o peão sacrificado na "teatralização"
Entretanto, um dos destacados membros do clã foi sacrificado. Zenú, que está agora a ser julgado em Angola por uso indevido de milhões de dólares enquanto presidente do Fundo Soberano de Angola, é hoje o peão deste jogo de xadrez?
"Exatamente! Alguns têm de estar [na linha da frente]. O próprio pai está sob proteção e se aparecer todo esse processo de combate à corrupção desmorona. Basta uma declaração do ex-Presidente José Eduardo dos Santos para arruinar todo esse processo e por muita gente na cadeia, inclusive gente que está no poder", responde o jurista Albano Pedro.
E o jurista remata: "E essa teatralização tem de criar algumas vítimas, e uma delas o filho."