Crise leva angolanos a desistirem do ensino superior
16 de junho de 2019Cada vez mais estudantes desistem do sonho de uma formação universitária em Angola. O preço das propinas das instituições do ensino superior privadas e a ausência de políticas públicas no apoio aos estudantes são apontados pelos jovens e encarregados de educação como fatores que colaboram para o aumento do número de desistências.
Para Tomás Jonas, estudante do 5º ano do curso de Direito, no Instituto Superior Politécnico do Huambo, e coordenador da área jurídica da associação dos estudantes daquela instituição, não há dúvidas: os cerca de 39 mil kwanzas, o equivalente a 102 euros, exigidos como pagamento mensal de propina não estão ao alcance de todos os estudantes angolanos.
"Podemos afirmar que há desistências tendo em conta as condições económicas e financeiras que o país vive e isso afeta diretamente os estudantes", afirma Tomás, que diz que "as pessoas vão abandonando os estudos por dificuldades financeiras".
O estudante conta que tudo tem feito, enquanto representante dos estudantes na naquela universidade, mas lamenta a falta de sensibilidade da direção do instituto, que, por seu turno, também apresenta a crise financeira como principal fator do reajuste das propinas.
"Nós temos feito tudo no sentido de se reverem os preços das propinas. Temos tido conversas com a direção no sentido de se ponderar esta questão, mas a resposta que temos tido é que a direção também depende da unidade gestora", acrescentou.
Joaquim Sassole, estudante de Ciências Políticas numa universidade privada da cidade do Huambo, disse à DW África que tem sido um enorme sacrifício cumprir com o compromisso do pagamento mensal das propinas, por causa das dificuldades financeiras.
"Vejo-me sem poder dar prosseguimento à minha formação, porque não é tão fácil assim. Hoje, com a crise que abalou o país, tudo está complicado. As propinas em Angola são altas e no Huambo temos colegas que desistiram por razoes financeiras", relatou o jovem.
Ensino público vai cobrar propinas
Em 2020, de acordo com o Ministério do Ensino Superior, os estudantes diurnos das universidades públicas de Angola também passarão a pagar à semelhança dos seus colegas noturnos. Neste momento, está em curso um estudo encomendado por aquele ministério, para se determinar o valor ideal a ser cobrado.
Manuel Luciano, estudante diurno do curso de Ciências da Educação no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED), diz que caso o Executivo avance para as cobranças também no período diurno, será o fim do seu sonho de continuar a sua formação universitária: "No meu caso, sem emprego, acho que terei que anular o ano letivo para conseguir fundos que me possibilitem dar continuidade numa fase posterior".
Para o professor universitário e sociólogo Memória Ecolica, o Estado deve criar políticas de proteção para que as famílias não sejam as maiores vítimas da atual conjuntura económica que o país vive.
Salários baixos
Ecolica afirma que, devido aos baixos salários pagos em Angola e também à desvalorização do poder financeiro, os cidadãos enfrentam o dilema de ter que estabelecer prioridades no processo de formação dos filhos nos diferentes níveis de ensino.
"Os pais, com a desvalorização da moeda, quase não conseguem acudir a todos e têm que estabelecer prioridades entre quem já está na universidade e os que estão a começar a estudar. E como sempre eles preferem parar aqueles que já estão avançados e continuar [os estudos] daqueles que ainda não têm formação", explica o sociólogo.
Entretanto, o docente não concorda que as propinas cobradas pelas universidades privadas em Angola sejam elevadas. Para Memória Ecolica, 39 mil kwanzas, cerca de 102 euros, é uma propina razoável e está de acordo com o que é pago em outras partes do mundo. O problema, segundo disse, está nos baixos salários praticados no país.
E argumenta: "Não é possível que seja o Estado a dizer que as universidades estão caras, pois, de facto, não estão. O que está difícil é o salário que tanto o Estado como o setor privado pagam aos funcionários que devem suportar os seus filhos".
A DW África tentou ouvir sobre o tema alguns gestores de instituições de ensino superior públicas e privadas na província do Huambo, mas não obteve respostas.