Isabel dos Santos em campanha de "despiste"
19 de março de 2018Para além de ter sido a gestora da maior empresa pública de Angola, a petrolífera Sonangol, a filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos domina vários setores empresariais em Angola e no estrangeiro, onde já foram levantadas suspeitas de ilícitos.
Por exemplo, para fugir ao congelamento de bens decretado por um tribunal das Ilhas Virgens Britânicas em 2017, a empresária terá transferido 238 milhões de euros de uma empresa ligada à angolana UNITEL para a sua conta pessoal, de acordo com o jornal português Público, numa conduta considerada "fraudulenta e desonesta".
Atualmente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana investiga denúncias de má gestão e irregularidades que terão sido praticadas durante o seu mandato na Sonangol. Será que a investigação em curso abre um precedente e Isabel dos Santos pode vir a ser investigada no exterior?
Albano Pedro, jurista, acredita que haveria essa hipótese caso se venha a provar que houve dinheiros "descaminhados quando foi gestora da Sonangol e, enquanto gestora, que se foi beneficiando de património público sem justificação."
Receio de investigações internacionais?
Desde que foi exonerada da petrolífera estatal angolana, em novembro de 2017, que Isabel dos Santos vem realizando uma campanha cerrada nas redes sociais e na imprensa contra o novo poder em Angola e de auto-justificação em relação ao seu mandato.
A campanha tem subido de tom, com a ex-gestora a tentar limpar a sua imagem. Para o jurista Albano Pedro, os esforços de Isabel dos Santos visam outros objetivos: "No meu entender, ela tem levado a cabo esta campanha de branqueamento da imagem, de justificação consistente e consequente da lisura no exercício das suas funções como empresária pública, de forma a despistar possíveis processos judiciais internos que possam ser usados como justificação fora do país quando se atacar o património que ela tem."
Portanto, Isabel dos Santos estaria "a fazer uma campanha não tanto para se justificar internamente, mas para conseguir proteger o seu património que se encontra fora", sublinha o jurista.
E, tal como Isabel dos Santos, o seu irmão José Filomeno dos Santos, conhecido como "Zenú", é alvo de uma investigação devido a um suposto uso indevido de dinheiro do órgão que dirigia, o Fundo Soberano. Em simultâneo, José Eduardo dos Santos mostra sinais de querer prolongar a sua permanência na liderança do partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), apesar de ter prometido aos seus correligionários que abandonaria a vida política em 2018.
JES na liderança do MPLA vs. investigações aos filhos
Estará o aparente recuo do Presidente relacionado com as investigações de que são alvo os seus filhos?
"Eu acho que isso poderá ter uma relação no caso de ele pretender manter-se mais tempo à frente do MPLA. Por enquanto, ainda não se pode dizer que existe esta vontade. O assunto está a ser discutido pelos órgãos competentes do partido e vamos aguardar que as decisões sejam tomadas a contento", opina o sociólogo angolano Paulo de Carvalho.
Entretanto, a PGR já fez saber que não tem condições para prosseguir com o inquérito à gestão da Sonangol, devido à falta de quadros capacitados. O Procurador-Geral da República Hélder Pitta Grós disse contar com o apoio da sociedade civil e dos serviços existentes.
Limitações de JES
Para Albano Pedro, essa desculpa faz advinhar que a PGR não venha a ser suficientemente diligente. O jurista argumenta que "se se dever a isso, é uma estratégia ineficaz, porque quem está a levar a cabo esse processo de investigação é o Executivo. Foi o Presidente da República que ordenou os seus auxiliares, e aqui estamos a ver o Procurador-Geral da República, que é um auxiliar do Presidente da República, na lógica da nossa Constituição."
"Portanto, estamos numa situação em que o Presidente está a fazer o uso de poderes constitucionais e o partido não tem como alterar ou condicionar", afirma o jurista.
Pedro lembra as limitações de José Eduardo dos Santos: "O presidente do partido tem instrumentos estatutários para controlar o partido, mas esses instrumentos, sob o ponto de vista de Estado, não são suficientes para condicionar a ação do Presidente da República. Nem a chamada disciplina partidária é suficiente para o Presidente ceder o seu poder a ordens do presidente do partido."