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Fim de mandado de Vicente pode complicar a sua situação

22 de junho de 2017

A não comparência do vice-presidente de Angola em tribunal português não invalida que seja julgado, segundo a lei portuguesa. Por outro lado, não se descarta a possibilidade de Manuel Vicente ser julgado em Angola.

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Manuel Vicente, vice-presidente de AngolaFoto: Getty Images

Em causa estão alegados pagamentos ao antigo procurador português Orlando Figueira pelo vice-presidente de Angola e ex-chefe da petrolífera angolana Sonangol, Manuel Vicente, no valor de 760 mil euros, para obter decisões favoráveis, nomeadamente o arquivamento de dois processos, um deles no caso Portmill. O caso está relacionado com a sua suposta aquisição de apartamentos de luxo no empreendimento Estoril Sol, em Cascais. O facto de Manuel Vicente não ter sido ainda constituído arguido neste caso por corrupção ativa e branqueamento de capitais levanta algumas questões. Por isso a DW África ouviu o professor de direito, o português Rui Verde.

DW África: Para que Manuel Vicente seja constituído arguido é preciso que a PGR de Angola responda a carta rogatória com a notificação. Há uma dependência, é isso?

Rui Verde (RV): Em termos simples não, ele pode vir a Portugal ser notificado e constituído arguido. Só é necessário todo esse processo burocrático se ele se esconder, entre aspas, atrás da proteção do Estado angolano.

DW África: E há alguma obrigatoriedade da PGR de Angola responder a esta carta rogatória?

RV: Não. Quero dizer, há acordos de cooperação judiciária entre Portugal e Angola e no âmbito desses acordos a PGR tem o dever  de responder, mesmo que seja para dizer que não o consegue notificar ou que entende, face à lei angolana, que não o deve notificar. Portanto, uma resposta tem que dar nos termos do direito internacional. Agora, pode tentar aplicar o direito angolano e não notificar, isso pode.

Rui Verde
Rui Verde, especialista em Direito portuguêsFoto: DW/J. Carlos

DW África: Considerando o cargo que Manuel Vicente ocupa e a imunidade que goza, as chances de uma resposta positiva da PGR angolana são quase nulas ou nem por isso?

RV: Ele vai deixar o cargo daqui a dois ou três meses, há eleições em agosto. Salvo o erro em setembro deixa de ser vice-presidente. Eventualmente passará a deputado, se for eleito, e aí as imunidades são diferentes. E tendo em conta que em Portugal vão começar agora as férias judiciais, não sei se o julgamento será marcado só para outubro ou novembro, mas já estamos a especular um pouco. Isso para dizer o seguinte: a situação jurídica de Manuel Vicente pode mudar de hoje para daqui a três ou quatro meses.

DW África: Entretanto a lei portuguesa, segundo o Ministério Público, permite a acusação contra alguém que não tenha sido constituído arguido. Isso significa então que se pode avançar com o processo em Portugal, independentemente da resposta da carta rogatória dirigida à PGR angolana?

RV: Pois pode, era o que antigamente se chamava julgamento à revelia e que agora é um bocadinho diferente, que se chama contumácia. Pode avançar com o julgamento mesmo que Manuel Vicente continue a fugir. Vamos lá ver, face a lei portuguesa o que há, neste momento é uma fuga do Manuel Vicente.

DW África: Está a dizer que ele pode ser julgado à revelia?

RV: Temos de por isso entre aspas, hoje em dia não se chama à revelia, mas sim uma situação de contumácia que está prevista no Código do Processo Penal, mas o julgamento pode continuar. Isto é, a não presença física dele não invalida que ele seja julgado.

DW África: Caso Manuel Vicente seja notificado a apresentar-se em tribunal em Portugal e não compareça quais seriam os próximos passos da Justiça portuguesa?

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Sonangol, umas das empresas mais rentáveis de Angola, foi dirigida por Manuel VicenteFoto: DW/N. Sul d`Angola

RV: A Justiça portuguesa tem que pressionar o Estado angolano e a ordem internacional. Portanto, em rigor a Justiça portuguesa pode emitir um mandato de detenção internacional que pode ser contestado pelo Estado angolano, dizendo que Manuel Vicente exerce funções soberanas, que não vai cumprir. Mas digamos que há meios, quer para a Justiça portuguesa agir, quer para Manuel Vicente continuar a esconder-se atrás da justiça angolana. O importante aqui dizer é que a justiça portuguesa não tem que estar parada à espera de Manuel Vicente, pode agir, pode julgar ou pode emitir mandato de detenção. Compete aos angolanos evocar o que têm a evocar.

DW África: A defesa de Manuel Vicente diz que o processo deve ser separado e prosseguir uma parte em Angola. Quais são as chances dessa hipótese dar certo?

RV: Pode acontecer. O acordo de cooperação judiciária entre Portugal e Angola permite que se o Estado angolano quiser e se o Ministério Público português requerer ele seja julgado em Angola, isso pode acontecer. Do ponto de vista técnico isso é perfeitamente possível.

DW África: O que significa que há alguma chance de Manuel Vicente se sair bem deste processo...

RV: Quase cem por cento de chances. Ou não aparece em Portugal e não é julgado ou vai ser julgado em Angola e depois em Angola os crimes que ele terá cometido foram amnistiados por uma lei de amnistia de novembro de 2015. E sendo ele julgado pela lei angolana tinha de se aplicar a amnistia angolana e portanto ele não era julgado. Isto é, na prática dizer que ele é julgado em Angola corresponde a dizer que não vai ser julgado porque já foi amnistiado.

DW África: Em que medida a imunidade Manuel Vicente na qualidade de vice-presidente de Angola pode dificultar o normal prosseguimento deste caso?

RV: Dificultar dificulta. As imunidades fazem parte do direito internacional, e Portugal assinou vários tratados entre eles a Convenção de Viena, dificulta. Mas vai deixar de dificultar por pouco tempo. Como disse, Manuel Vicente cessa o seu mandato em setembro de 2017, portanto é um problema que vai deixar de se colocar.

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DW África: Portanto, dura pouco tempo? É até terminar o mandato?

RV: Dura pouco tempo, estamos em junho, portanto isto pode ser um argumento para o passado, mas já não é para o futuro.

DW África: Então quer dizer que Manuel Vicente e seus advogados têm de pensar numa estratégia para depois da era do José Eduardo dos Santos?

RV: Sim, porque as imunidades parlamentares são menores do que as imunidades de um vice-presidente. Como deputado Manuel Vicente já não é representante do Estado e já não terá as mesmas imunidades e nem nada que se pareça, e isto se for eleito deputado e pode não ser...

DW África: E isso pioraria ainda mais a sua situação...

RV: Aí sim... Portanto, a situação de Manuel Vicente que neste momento parece muito protegida pela lei angolana tem muitos buracos, digamos assim. Em rigor se Portugal emitir um mandato de detenção internacional ou um mandato de detenção europeu Manuel Vicente fica numa situação muito complicada, não é uma situação tão forte como parece a primeira vista, sobretudo depois de agosto de 2017.

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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