Angola: "Sentimento que se vive no país é de alternância"
25 de julho de 2022A campanha eleitoral arrancou este fim de semana em Angola com incidentes que plantaram o caos em Luanda. Mototaxistas, que alegadamente reivindicavam o pagamento pela participação numa passeata do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), queimaram camisolas, bonés e bandeiras daquela força partidária.
Os distúrbios provocaram vários feridos e conduziram a algumas detenções, segundo fontes locais.
Em entrevista à DW África, o analista político Agostinho Sicatu olha para os incidentes como um "ato isolado" que não espelha o ambiente vivido no país. Sicatu enaltece ainda o discurso "assertivo" do presidente da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Adalberto Costa Júnior, e não tem dúvidas de que João Lourenço está a incorrer em "aproveitamento político" ao apelar ao voto em memória do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
DW África: Considera que os incidentes que aconteceram este fim de semana em Luanda podem ser uma "amostra" do que se pode esperar nas próximas semanas até às eleições? Qual é o clima que se vive no país?
Agostinho Sicatu (AS): Até agora, o clima não é de distúrbio. Houve um clima de tensão no início, na pré-campanha, mas agora, na campanha eleitoral, os discursos dos partidos políticos estão equalizados. Os partidos estão mais orientados, mais organizados, vão orientando os seus militantes. Não vemos ainda fricções entre os militantes de diferentes partidos políticos e também não vemos uma confrontação direta entre os candidatos. O que aconteceu com o MPLA, de modo particular, poderia até considerar-se que foi um ato isolado. Segundo as informações que nos chegaram, foi um incumprimento de um acordo entre eles [do MPLA] e os jovens que contrataram para participar nas suas atividades, os jovens mototaxistas, e portanto, é um ato que, se não se acautelar, pode resvalar para situações não controladas.
DW África: Contudo, segundo os promotores da passeata, não houve incumprimento no pagamento e fala-se em "infiltrados" que se terão aproveitado da situação.
AS: A ser isto, é muito grave e pode resvalar para uma situação incontrolada. O jogo esteve até há pouco tempo quase tecnicamente empatado, mas agora vai pendendo mais para a oposição. Este desequilíbrio pode também, até certo ponto, inflamar um pouco mais as tensões dentro do partido no poder. Eventualmente, podem-se usar essas táticas. Esperamos que isto não volte a acontecer.
DW África: A UNITA tem centrado o seu discurso na alternância política e ainda este sábado (23.07), em Benguela, frisou que "a hora é agora". O principal partido da oposição tem conseguido passar propostas concretas de mudança para o país?
AS: O sentimento que se vive no país é de alternância. A UNITA aproveitou bem esta altura. Neste momento, está a aproveitar melhor as falhas que o Governo foi cometendo ao longo do tempo. No início, a situação estava um pouco desequilibrada. Mas agora Adalberto Costa Júnior está a ser mais assertivo, mais incisivo na mensagem, e tudo indica que, se a linha for esta, é provável que o país tenha uma surpresa. É provável que haja alternância.
DW África: Já em Luanda, no arranque da campanha, João Lourenço apelou ao voto para "honrar a memória" de José Eduardo dos Santos. Acha que esse discurso pode ser visto como um "aproveitamento político", como têm alegado alguns dos filhos do antigo Presidente da República?
AS: É claramente um aproveitamento, mas é politicamente menos avisado que se faça referência ao nome de José Eduardo dos Santos nesta altura em que há uma contenda entre o Governo e parte da família. Primeiro, porque nota-se claramente uma tremenda hipocrisia por parte do Governo, porque José Eduardo dos Santos, até antes da sua morte, era o tal "marimbondo" mor e, portanto, era o alvo a abater por parte de João Lourenço. Nesta altura, não faz sentido concentrar as atenções em José Eduardo dos Santos. João Lourenço tinha a oportunidade de ouro de honrar José Eduardo dos Santos exatamente no período em que José Eduardo Santos esteve em vida. Tanto mais que, quando veio a Luanda, José Eduardo dos Santos mostrou vontade de dialogar com o próprio João Lourenço e até com os tribunais. Mas foi-lhe negado esse direito - pelo menos, há documentos a respeito disto que o próprio José Eduardo dos Santos terá escrito.
Nesta altura, o que o João Lourenço pode fazer é centrar a atenção na sua campanha. Deve afastar-se de uma vez por todas da figura de José Eduardo dos Santos, porque isto poderá beliscá-lo. Cada ação que fizer vai, de uma ou de outra forma, criar outra tendência de contenda e de fricções com a família.