Antepassado brasileiro do ProSavana prejudicou camponeses
28 de setembro de 2013Plantações de soja até perder de vista, colheitas mecanizadas, transporte da safra em comboios de centenas de metros de comprimento. O cenário atual da agricultura no Cerrado, bioma no centro-oeste brasileiro, é tomado por grandes latifúndios monocultores.
Após a implantação, nos anos 70, do Programa de Desenvolvimento dos Cerrados, mais conhecido como PRODECER, sobrou pouco espaço para os pequenos agricultores, defendem estudiosos.
Pesquisadores locais afirmam que o projeto provocou uma migração de pequenos proprietários rurais para as cidades. Segundo eles, a competição desigual com os grandes produtores, que se instalaram na região com o avanço do PRODECER, somada à falta de incentivos do governo, levou muitos pequenos proprietários a vender suas terras e perder sua fonte de renda.
O PRODECER, concluído nos anos 1990 e promovido pelo governo brasileiro, em conjunto com o Japão, teve como objetivo desenvolver o agronegócio na região do Cerrado.
ProSavana
Mais de vinte anos depois, o projeto inspirou a criação do ProSavana, um programa de cooperação entre Brasil, Japão e Moçambique, que visa fomentar o desenvolvimento agrícola no corredor de Nacala, no norte do país africano. No entanto, o ProSavana tem atraído muitas críticas da sociedade civil moçambicana, que quer evitar possíveis erros do antepassado brasileiro.
Dentre eles, ressalta Vera Salazar, doutora em geografia e professora da Universidade Federal de Goiás, a falta de comunicação com os pequenos agricultores regionais. “A grande crítica que se faz ao projeto, e que os documentos mostram, é que ele não consultou o local. Ele chega e impõe, ocupa.”, diz.
De acordo com a pesquisadora, foram oferecidos preços mais altos pelas terras que os praticados no mercado. “As pessoas, vendo que não tinham condições de produzir, venderam”, conta.
Agricultores de fora
A geógrafa afirma que o PRODECER privilegiou agricultores vindos de fora, colonos do sul do país e descendentes de japoneses.
Para Benedito Rosa, diretor de assuntos comerciais da Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio do Brasil, o PRODECER trouxe produtores de outras regiões por considerá-los mais experientes que os locais.
O diretor admite que o programa não foi bem sucedido em apoiar pequenos agricultores locais: “Essa é uma crítica da esquerda e em parte tem razão. Um dos projetos do programa era para assentar pequenos produtores no Mato Grosso. Esse projeto não foi bem sucedido”.
Cultivo
Benedito Rosa defende que o erro foi a escolha do cultivo: “Pequenos produtores sem cooperativas não têm chance de ser competitivos no mundo na produção de grãos”.
Ele argumenta que o objetivo do programa não era apoiar pequenos agricultores, mas ocupar áreas consideradas improdutivas. “O PRODECER precisa ser avaliado a partir dos objetivos para os quais se propunha e não para promover o desenvolvimento agrário dos pequenos produtores no Brasil. Não era esse seu o objetivo”, defende.
“Um modelo de desenvolvimento agrário que contemple como prioridade o lado social tem que ser um modelo diferente do PRODECER”, diz o diretor. Ele acredita que o programa moçambicano ProSavana deve aprender com os pontos positivos e negativos do projeto brasileiro.
Moçambique
O ProSavana foi lançado em 2011 e deve ser implementado em 19 distritos no norte do país, ao longo do corredor de Nacala. A região corresponde a cerca de 11 milhões de hectares, uma área maior que o território do país vizinho Malawi.
Em Moçambique, existe uma preocupação crescente de que o ProSavana implemente o modelo de latifúndios monocultores, voltados para o mercado externo, como ocorreu no Brasil. Atualmente, as áreas de implantação do projeto são ocupadas principalmente por pequenos agricultores.
No Brasil, as perdas do programa PRODECER para este segmento da população foram irremediáveis, como explica Maria Erlan Inocêncio, doutora em geografia e professora da Universidade Estadual de Goiás.
“Nós, que somos povos do Cerrado, acabamos perdendo muita coisa. Muitos de nós, pequenos produtores, tivemos que vender nossas propriedades e mudar para a cidade”, explica.
Migração para as cidades
De acordo com a professora, muitos agricultores não se adaptaram ao meio urbano. “Eles não sabem fazer outra coisa que não seja trabalhar com a terra. Então eles retornam ao campo na condição de boia-fria, ou seja, se tornam trabalhadores rurais, moradores da cidade”, conta.
Segundo as pesquisadoras ouvidas pela DW África, estes pequenos agricultores acabaram passando por um processo de empobrecimento. Os grandes produtores, afirmam as estudiosas, foram os principais beneficiados pelo PRODECER.