Cabo Delgado e o apoio da China: Uma ajuda desinteressada?
6 de setembro de 2024O Presidente de Moçambique anunciou, na quinta-feira (05.09), que a China vai apoiar o seu país no combate ao terrorismo.
Segundo Filipe Nyusi, "eles vão dizer exatamente como é que vão fazer", mas o chefe de Estado avançou que o apoio seria no campo da assistência militar, em particular no treinamento de soldados. A ajuda estender-se-ia à proteção costeira, visando o combate aos vários tipos de criminalidade que acontecem no mar, como o tráfico de droga.
O anúncio foi feito à margem do 9.º Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), que arrancou na quarta-feira, em Pequim. A DW entrevistou o especialista em terrorismo Rufino Sitóe sobre o apoio de Pequim a Moçambique, no contexto da insurgência que atinge Cabo Delgado desde 2017.
DW África: Quais seriam as possíveis modalidades de apoio da China a Moçambique, na esteira da política externa de Pequim?
Rufino Sitóe (RS): Pelo discurso do Presidente Nyusi, fala-se de treinamento de militares ou de capital humano para a prevenção ao extremismo. Fala-se também da questão de apoio à segurança costeira, um outro problema na prevenção e combate ao extremismo violento. Por ora, é isso que se sabe. Quer me parecer que se está também à espera que a China diga mais alguma coisa em relação a outros possíveis apoios. Isso dependerá mais da China do que da proatividade de Moçambique, de buscar mais apoios para certos setores.
DW África: Então, não se aventa a possibilidade de armamento nem da presença de forças chinesas em território moçambicano?
RF: Não, penso que seria muito irresponsável na dimensão da presença militar, porque voltaríamos ao mesmo quadro que as forças [mercenárias russas do grupo] Wagner enfrentaram em Moçambique. É possível apoiar, mas ao entrar no terreno há outros constrangimentos. Há também questões de colaboração. Lembro-me de fazer uma pesquisa sobre a colaboração entre as diferentes forças que estavam a operar [em Cabo Delgado], as forças locais, as forças de Moçambique, as forças do Ruanda e da SAMIM [Missão Militar da SADC], e havia problemas graves de colaboração. Seria mais um problema para gerir, que não sei se teria efeitos positivos na estratégia de prevenção e combate ao extremismo no norte de Moçambique.
DW África: Considerando que "não há almoços grátis" nas relações internacionais, que tipo de pagamento Pequim esperaria de Maputo?
RS: É certo que não há almoços grátis, mas também há aquilo que se chama de apoio, a solidariedade internacional, em que não se espera nada exatamente. Às vezes, espera-se mais colaboração em relação a certas questões. Falava-se, por exemplo, ao nível do Conselho de Segurança da ONU, se a China espera alguma posição favorável em relação a alguns assuntos pendentes, se calhar em relação à situação de Taiwan ou Hong Kong. O país que recebeu apoio fica uma espécie de dívida de gratidão, e isso é negociado quando situação aparece de forma urgente e o país precisa de comparecer e fazer o pagamento dessa dívida de gratidão.
DW África: Moçambique quer intensificar a cooperação com a China e, em simultâneo, modernizar portos. Um possível interesse da China nos portos nacionais seria uma resposta aos EUA, que domina o principal corredor de saída dos minerais estratégicos da RDC a partir de Angola?
RS: Não sei até que ponto, mas sempre me pareceu que a China - com a Belt and Road Initiative - sempre teve esta componente dos investimentos e modernização dos portos como parte da estratégia de expansão do seu comércio e do fortalecimento das linhas de comércio. Não sei se é uma resposta ao posicionamento estratégico dos EUA, mas é uma iniciativa consistente que a China vem fazendo ao longo dos últimos anos de expansão da sua influência e expansão da sua esfera de negócios nos países da Ásia e de África.
DW África: A China, uma das maiores economias globais, e por isso ávida de recursos energéticos, estaria de olho no gás de Cabo Delgado?
RS: Certamente. Moçambique tem uma reserva muito importante de gás e a China tem uma demanda por recursos energéticos muito grande, e ela precisa de diversificar esta demanda de modo a evitar ficar vulnerável em relação a certos países ou mais dependente de uns países do que de outros.
Então, certamente interessaria à China aceder a esta fonte energética e pode ser uma estratégia de permitir que ela tenha uma posição estratégica em relação a estes recursos, mas não esqueçamos que quem controla os processos de exploração são empresas como a Total a ENI e outras que fazem parte do consórcio.