Bispo defende estado de emergência no sul de Angola
16 de abril de 2019Dom Pio Hipunhati, bispo da diocese de Ondjiva, na província do Cunene, defende que o Governo decrete estado de emergência face à situação de fome e seca que afeta mais de um milhão de pessoas no sul de Angola.
O prelado católico, que este fim de semana recebeu em audiência uma delegação do grupo parlamentar da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), encabeçada pelo deputado Adalberto Costa Júnior, afirma que este ano será calamitoso devido a gritante falta de água e comida para a população e também para os animais.
Devido à estiagem os agricultores não terão colheitas. Uma situação que preocupa Dom Pio Hipunhati. "Estamos no mês de abril e já há falta de água e alimentos para as pessoas e também para os animais. Nos anos que podemos considerar normais, por esta altura teríamos água por todo lado. As chanas estariam cheias de água e o povo estaria alimentar-se de abóboras e teria leite em abundância. Mas infelizmente este ano não. Por isso, esperamos uma situação difícil, significa que teremos um ano calamitoso", alertou em entrevista à Rádio Despertar.
Banco alimentar precisa-se
O Executivo angolano, dirigido pelo Presidente João Lourenço, disponibilizou recentemente 200 milhões de dólares (cerca de 174 milhões de euros), para a construção de três barragens no rio Cunene, na região do Cafu, município de Ombadja, e outras duas no rio Cuvelai, nas zonas do Caluncuve e do Ndue. Essas obras têm por objetivo regular a distribuição de água em várias zonas da província.
Dom Pio Hipunhati aplaude a iniciativa do governo. Mas diz que a região precisa de uma assistência rápida para salvar as pessoas que estão a passar a fome no Cunene. Segundo o religioso, apesar dos apoios anunciados pelo Governo, as autoridades não têm noção da gravidade que a seca e a fome estão a causar naquela região.
O governo do Cunene anunciou que vai apoiar cada comuna com uma cisterna de água. Mas o líder da Igreja Católica na região considera que isso é insuficiente: seriam necessárias 20 cisternas para cada localidade.
De acordo com o bispo da diocese de Ondjiva, 60% dos habitantes da província do Cunenene estão a ser afetados pela seca. Por isso, o líder religioso defende também a criacao de um banco alimentar para minimizar a crise. "A seca é uma situação recorrente e já não devia apanhar-nos de surpresa. Devíamos ter já algum banco alimentar para os homens e um banco alimentar para os animais", diz Dom Pio Hipunhati.
Na semana passada, o coordenador da Associação Construindo Comunidades, padre Jacinto Pio Wacussanga, disse à DW áfrica que a seca já abrange seis das 18 províncias angolanas, sendo o Cunene a região mais afetada, e que há milhares de pessoas a passar fome e muitos animais a morrer.
Grito de socorro da igreja
Sobre a situação, a Igreja Católica não se quer calar. No Huambo, centro de Angola, o arcebispo católico da província, Zeferino Zeca Martins, critica a "escandalosa ostentação" que "afronta os pobres que ainda morrem por causa da fome devido à seca" no sul do país, noticiou a imprensa local.
No domingo (14.04), durante a missa do arranque da Semana Santa, afirmou que, "frequentemente, não há solidariedade efetiva entre os angolanos", adiantando que se vê no país uma "sede insaciável" de lucros e ganância. "Uma ganância que só passa em ter coisas para poder consumir, uma escandalosa ostentação que é afronta aos pobres que passam fome e aos que ainda morrem por causa da forme, por causa da seca, desprovidos de assistência médica, de alimentação", disse Dom Zeferino Zeca Martins, citado pela Lusa.
Em fevereiro, a província do Cunene decretou estado de "calamidade" devido à seca, que afeta, desde finais de 2017, mais de 285.000 famílias, defendendo "estratégias absolutas" para mitigar o fenómeno e "mais apoios" do Governo central. "Estamos a falar de um total de 285.000 famílias afetadas em toda a província. Continuamos a somar porque, enquanto não chove, os números têm tendência para aumentar. A província atravessa um dos piores momentos de seca", disse na ocasião o vice-governador daquela província, Édio Gentil José.
Já em março, o governador do Cunene, sul de Angola, Virgílio Tchova, fez saber que pelo menos 12.000 cabeças de gado morreram, nos últimos meses, devido à seca que assola a localidade. Para Zeferino Zeca Martins, que pede maior solidariedade para com os mais pobres e pessoas afetadas pela seca, observa-se igualmente em Angola uma "notória degradação dos valores morais".
"Estes sintomas, preocupantes, revelam a aridez de uma vida que precisa de ser irrigada, clamam por uma formação de consciência alicerçada nos valores do evangelho e em normas ética de conduta livremente assumidas por cada um de nós", concluiu.