Bissau: Autoridades pedem desculpa por violência da polícia
6 de abril de 2020Com 33 casos confirmados de pessoas infetadas pela Covid-19, a Guiné-Bissau passou a ser o país africano que tem o português como língua oficial com mais casos registados.
Uma das 33 pessoas infetadas foi internada no domingo (05.04) no Hospital Nacional Simão Mendes. Todos os outros infetados estão em casa com acompanhamento médico, segundo as autoridades sanitárias.
Os casos foram registados na capital, Bissau. A maioria são jovens entre os 20 e os 36 anos de idade. Uma criança de 8 anos também está infetada, de acordo com o boletim clínico desta segunda-feira (06.04).
Tumane Baldé, responsável pela estrutura sanitária de controlo e combate à pandemia no país, afirmou que, neste momento, nenhum dos infetados precisa de ventilador.
"Os infetados apresentam um quadro de saúde leve. Poderão ser transferidos das suas residências para o centro de internamento no Simão Mendes."
Tumane admitiu que alguns "apresentam resistências para serem transferidos". Uma equipa de técnicos será enviada às residências das pessoas para as sensibilizar sobre a necessidade de serem levadas para o hospital.
Mas um "doente que precisar do ventilador poderá morrer por falta de condições", alerta o médico, que não soube precisar o número de ventiladores que o sistema de saúde tem.
Calcula-se que a Guiné-Bissau não tenha mais de 15 ventiladores em todos os hospitais públicos.
Polícia usa violência contra pessoas na rua
As autoridades da Guiné-Bissau acusam os populares de não estarem a respeitar o estado de emergência em vigor, que obriga as pessoas a ficarem em casa e a manter o distanciamento social. No domingo, a polícia usou da força para reprimir quem andava nas ruas.
"Eu vi com os meus olhos polícias a impedir qualquer um de circular pelas ruas com brutalidade. Estava a sair do hospital Simão Mendes para a minha casa, quando disseram que não podia sair do hospital. Disse-lhe que fui fazer o que as autoridades não fazem, que é levar a comida às pessoas internadas, cujas famílias não têm como chegar ao hospital devido às restrições de circulação e de liberdades", disse o futebolista guineense Saná Camará.
Para conter a propagação do novo coronavírus, as autoridades guineenses determinaram várias medidas, ao abrigo do estado de emergência, nomeadamente o confinamento social e a limitação de circulação de pessoas e viaturas entre as 07:00h e as 11:00h locais.
Durante o fim de semana, várias pessoas relataram nas redes sociais terem sido agredidas pela polícia, que as obrigava até a entrarem para as suas casas, quando se encontravam na varanda.
Estado de emergência não é "carta branca" para violação dos direitos humanos
Segundo a Liga Guineense dos Direitos Humanos, as autoridades policiais estão a cobrar quase 40€ euros por cada motorizada apreendida e cerca de 36€ por bicicletas, agravando ainda mais a difícil situação social e económica por que passa a população guineense neste momento.
"Para além destas práticas de cobranças ilícitas, as forças de segurança estão a exercer violência física contra os cidadãos que supostamente desrespeitam as regras de confinamento e distanciamento social, decretadas pelas autoridades nacionais. Em Bissau, multiplicam-se os casos de agressões brutais de cidadãos perpetradas pelas forças de segurança", denunciou a Liga Guineense num comunicado de imprensa.
A organização dos direitos humanos repudia com veemência estes comportamentos que considera de "ilegais e abusivos", por traduzirem uma afronta à dignidade da pessoa humana.
"É preciso que as forças de segurança compreendam de uma vez por todas, que o estado de emergência não é uma carta branca para as intimidações e violações dos direitos humanos. É urgente que a corporação policial adote a abordagem pedagógica e de sensibilização dos cidadãos sobre os perigos da Covid-19, [em vez de] enveredar pelas práticas de violência", sublinha a organização liderada pelo advogado Augusto Mário da Silva.
Ministério do Interior pede desculpa
Em reação, o secretário de Estado da Ordem Pública, Mário Fambé, disse que a colocação de polícias nas ruas visa "fazer cumprir o estado de emergência em vigor" no país. No entanto, pediu desculpa pela atuação de alguns agentes.
"Quem trabalha erra e, por isso, pedimos desculpas", afirmou Mário Fambé durante uma conferência de imprensa realizada esta segunda-feira em Bissau.
O secretário de Estado garantiu que os agentes que se envolveram em atos de violência foram identificados e serão responsabilizados, assegurando ainda que já se reuniu com todas as brigadas das forças de ordem pública para as sensibilizar sobre a forma de atuar.
Entretanto, Fambé exortou a população a ficar em casa depois da hora indicada no decreto governamental que regulamenta o estado de emergência nacional.
Silêncio sobre Covid-19
O líder do Movimento Guineense para o Desenvolvimento (MGD), Umaro Djau, criticou a falta de informação e sensibilização por parte das autoridades competentes, que não estão a dar o rosto no combate à doença.
"O povo guineense precisa de ver as suas autoridades (executivas, sanitárias e políticas) todos os dias, comunicando-lhe claramente sobre o seu empenho, a sua visão e estratégia no combate e prevenção contra o coronavírus. E, tal como nos EUA, o rosto desta crise tem que ser uma figura de autoridade! Tem que ser um conjunto de pessoas que possa informar coerentemente o povo, demonstrar-lhe que todos os esforços estão a ser feitos e, finalmente, assegurar-lhe que 'tudo vai dar certo' mesmo face às incertezas. Pelo menos, este seria um serviço mínimo ao país", afirmou o jornalista a viver nos Estados Unidos de América.
Isolamento social, uma miragem na Guiné-Bissau?
Para o ativista Sumaila Jaló, as autoridades deveriam repensar o estado de emergência, tendo em conta a realidade de agrupamento familiar na Guiné-Bissau.
"Poucas famílias têm hábito de cada um comer num prato pessoal. Não é porque não querem, mas porque as refeições não dão para cada um se servir à parte", lembra.
"90% das habitações têm casas de banho partilhadas por moradores de uma casa ou até de uma comunidade. Ter acesso à água potável [canalizada] é dos maiores privilégios que as famílias podem ter, sendo que, em algumas ruas ou comunidades, o próprio poço de água é partilhado. Nem todos os bairros da própria capital Bissau têm mercados locais, e poucas famílias sabem como funciona um frigorífico, onde podiam conservar alimentos para muitos dias".