1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Cabo Delgado: Alegações de abusos por tropas "já conhecidas"

30 de setembro de 2024

Denúncia de alegados homicídios cometidos por militares na província de Cabo Delgado reacenderam um antigo debate em Moçambique. "Não acredito que a Total não tivesse ouvido este tipo de histórias", diz analista.

https://p.dw.com/p/4lGNf
Placa que indica a direção do campo de Afungi, em março de 2021
Foto de arquivoFoto: Roberto Paquete/DW

Um artigo divulgado pelo portal POLITICO, com sede nos Estados Unidos, volta a trazer à discussão o respeito pelos direitos humanos na província moçambicana de Cabo Delgado.

O artigo denuncia alegados homicídios cometidos, em 2021, por militares moçambicanos contra civis que tentavam escapar de confrontos entre os militares e insurgentes. Os homicídios terão sido cometidos em Afungi, perto de um complexo da petrolífera Total.

Em entrevista à DW, João Feijó, investigador da ONG Observatório do Meio Rural, diz que o artigo apenas vem reforçar antigas denúncias de violação dos direitos humanos na província. O analista frisa que não acredita que tanto a petrolífera francesa desconhecesse esta realidade, ao contrário do que disse a Total no fim de semana.

DW África: Como olha para estas denúncias do portal POLITICO?

João Feijó (JF): Isto remonta ao período de 2021. Esse comportamento dos militares moçambicanos nesses anos – entre 2020 e 2021, ou mesmo antes – já estava muito bem documentado. Não constitui propriamente uma surpresa. Houve relatórios da Human Rights Watch e da Amnistia Internacional que já denunciavam práticas deste género, de extorsão de valores monetários à população, de ameaças, chantagens e desaparecimentos.

DW África: Acredita que é um comportamento que se tem perpetuado e que continue a haver casos semelhantes?

JF: De uma forma genérica, a situação melhorou significativamente. Naquela altura, os abusos eram gritantes. Os nossos militares estavam, de facto, perdidos.

João Feijó, investigador da ONG Observatório do Meio Rural
João Feijó: "Eu não acredito que a Total esteja alienada de uma realidade destas. Eles têm perfeita consciência do comportamento da tropa"Foto: DW

É preciso ver que eles também são vítimas disto, porque eles também não têm a logística necessária, o armamento necessário, a inteligência, a formação, a organização interna e, se calhar, a liderança. Eles não compreendem o sentido da guerra, não são capazes de distinguir população civil de população guerrilheira. Eles assistiram aos seus colegas a serem assassinados, degolados. Então, eles próprios também estavam muito nervosos e revoltados, queriam vingar-se e acabaram por descarregar em cima da população. Não se pode é falar muito sobre este assunto, de uma forma muito frontal, aqui em Moçambique, porque as pessoas têm medo.

DW África: A TotalEnergies foi confrontada e diz que não foi informada sobre a situação. Acredita que a empresa esteja alienada do caso?

JF: Escolheu bem a palavra "alienada". Eu não acredito que a Total esteja alienada de uma realidade destas. Eles têm perfeita consciência do comportamento da tropa. Funcionários da Total com quem eu falei disseram-me que houve zonas do acampamento que foram pilhadas, portanto eu não acredito que a Total não soubesse deste tipo de excessos.

Aquela população ali a sul de Afungi contava abertamente os excessos que foram cometidos pelas Forças de Defesa e Segurança, e não acredito que a Total não tivesse ouvido este tipo de histórias.

DW África: Entretanto, a Comissão Europeia disse que pediu elementos de clarificação sobre este caso. Espera uma reação por parte do Governo moçambicano?

FJ: Normalmente, a política do Governo é não comunicar, é ficar em silêncio em relação a estas situações. E agora estão todos em campanha eleitoral e deverão evitar tocar nesse assunto. Vamos também entrar num período de mudança de Presidente, vai ficar tudo na expetativa do que será a atitude do novo Presidente. Então, eu presumo que não existirão grandes comunicados.

Agora, o próprio comunicado da União Europeia também me parece meramente político, com aquele cinismo político que conhecemos. Eu não acredito que a União Europeia, que tem representação aqui em Moçambique, não estivesse informada sobre aqueles excessos.

Como então? Luta antiterrorismo em Cabo Delgado corre bem?

Saltar a secção Mais sobre este tema