Cabo Delgado: Líderes mortos não eram a "causa do conflito"
28 de agosto de 2023Ao contrário do discurso do Governo moçambicano, a morte de líderes terroristas em Cabo Delgado não deve ser encarada como uma "vitória".
O investigador Emídio Beula, do Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), diz que estas mortes "são eventos que, de certa forma, vão ajudar na moral das próprias forças de segurança", e também a trazer "alguma tranquilidade" à população.
Mas, afirma Beula, "não podem ser consideradas uma vitória sobre terrorismo".
Na semana passada, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de Moçambique, Joaquim Rivas Mangrasse, anunciou a morte do líder do terrorismo no país, o moçambicano Bonomade Machude Omar.
Dias antes, outros dois cabecilhas dos insurgentes também foram mortos.
"Um troféu antes das eleições"
No entanto, o investigador João Feijó, do Observatório do Meio Rural (OMR), prefere cautela e lembra que "não foi a primeira vez que este indivíduo foi dado como morto".
"Então eu optaria por ter algumas reservas e aguardar mais um tempo para ter a certeza se foi ele ou não. Até porque, o timing em que essa notícia aparece, a um mês das eleições, em que há necessidade de facto de o Governo mostrar um troféu, portanto, é o momento oportuno para uma notícia dessas", afirma Feijó.
O investigador alerta que a morte do principal líder poderá trazer à tona um cenário ainda mais violento na região.
"Este indivíduo era de facto um vilão para muitos moçambicanos. Mas a verdade, que é uma verdade incómoda, é que ele se era vilão para uns, era herói para outros. E esses agora têm um mártir e um mártir tem que ser vingado. Então, isto aqui é uma solução violenta para um problema violento, que geralmente apenas produz mais violência", avalia.
Reorganização dos insurgentes
Para Emídio Beula, agora é hora de o Governo e as Forças de Defesa e Segurança estarem em alerta, porque uma nova liderança poderá surgir no seio dos terroristas.
Foi assim com vários grupos terroristas, segundo Beula, que cita o caso da Nigéria, da Síria e do Iraque, onde vários líderes terroristas já foram mortos.
"Eles sempre fazem a substituição. Então, não será diferente em Cabo Delgado. Vão substituir os seus líderes e com o risco, inclusive, de serem mais violentos, de organizarem emboscada para fazer a retaliação", considera o investigador do CDD.
Retirada de militares da África Austral
Contudo, Emídio Beula chama atenção para o prazo de permanência da missão militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), a SAMIM, em Cabo Delgado, que expira em menos de um ano – com previsão de retirada em julho de 2024.
A morte dos cabecilhas abre uma nova página no conflito que se arrasta desde outubro de 2017, e as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique precisam estar preparadas para lidar com a insurgência.
"É verdade que tivemos duas missões de treinamento por parte de Estados Unidos e também da União Europeia que estão a treinar militares moçambicanos. É difícil aferir até que ponto as nossas forças estão preparadas para preencher esse vazio. E repare que a SAMIM vai retirar-se no próximo ano, mas ainda termos de ataques, ainda temos emboscadas", diz Beula.
Com a retirada da SAMIM, outra questão preocupa o CDD: a investigação sobre a queima de corpos por militares em Cabo Delgado.
O caso foi tornado público em janeiro deste ano, e em março uma investigação foi criada pelo Ministério da Defesa sul-africano. Mas até agora nenhuma resposta.
"O silêncio é total e mostra claramente que não há nenhum interesse em investigar e responsabilizar aquele crime, uma violação clara do direito internacional humanitário", afirma o investigador do CDD.
"A causa da guerra é muito mais profunda"
Será que a resposta para o fim no conflito está na ação militar? Para os analistas ouvidos pela DW, a resolução do conflito precisa ganhar novos contornos.
De acordo com João Feijó, do OMR, "está-se a festejar a morte de um vilão, como se a guerra fosse contra ele".
"Não era ele a causa do conflito, ele era apenas um comandante. A causa da guerra é muito mais profunda. Tem causas históricas antigas, de sentimentos de exclusão social e política daquelas populações", diz Feijó.
Da mesma forma, Emídio Beula recorda que "a segurança melhorou na região, as pessoas estão a retornar, mas estão a encontrar aquele Cabo Delgado que deu origem ao conflito".
Segundo o investigador do CDD, "as causas sociais, o descontentamento e a insatisfação ainda não foram atacados em Cabo Delgado e criou-se a expetativa de que seria a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) que fosse atacar esses problemas sociais", mas sem sucesso.
"Os jovens não estão a encontrar um Cabo Delgado diferente, que dá oportunidade aos jovens", conclui.