Cabo Delgado: "É preciso diálogo para evitar mortes"
7 de março de 2024O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, garante que as forças de segurança e as tropas estrangeiras em Cabo Delgado "estão a fazer o máximo" no combate aos insurgentes. O chefe de Estado admitiu, porém, que os ataques terroristas estão a criar um clima de insegurança que atrasa o desenvolvimento da região.
Na semana passada, o maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), apelou a um diálogo com os terroristas para "poupar as vidas de crianças, mulheres, idosos e homens que são sacrificadas injustamente sem dó nem piedade". Será que o Governo moçambicano deveria encetar esforços nesse sentido?
Será que é possível encontrar interlocutores certos que representem o grupo autodenominado "Estado Islâmico" em Moçambique, um movimento sem rosto nem comando visível?
Em entrevista à DW, Muhamad Yassine, especialista moçambicano em relações internacionais do Instituto Joaquim Chissano, em Maputo, concorda que é preciso um diálogo com os insurgentes, sobretudo para perceber quais as suas reais motivações.
DW África: Faz sentido negociar com os insurgentes?
Muhamad Yassine (MY): Eu penso que faz sentido qualquer ação que seja tomada para alcançar a paz ou evitar a morte. Por outro lado, sabemos que o a questão em Cabo Delgado - independentemente de se chamar a estas pessoas de "insurgentes", "terroristas" ou "bandidos armados" - é a capacidade de usarem força bruta e de infligirem danos humanos e infraestruturais.
DW África: Portanto, deve haver uma certa abertura para o diálogo no sentido de evitar todos esses danos e sacrifícios para as populações?
MY: Qualquer abertura para a negociação deve partir pela perceção do que é que [os insurgentes] pretendem, abrindo-se primeiro uma janela para o diálogo sem que isso signifique uma cedência. O diálogo pode significar, sim, a [auscultação inicial das] exigências de quem está do outro lado.
DW África: E acha que o Estado moçambicano e as Forças de Segurança de Moçambique têm capacidade para se aproximar e para chegar aos verdadeiros representantes dos insurgentes?
MY: Se nós assumirmos que aquela ação em Cabo Delgado, que dura há sete anos, é feita sem qualquer coordenação de liderança, então estamos a dizer que somos um Estado sem capacidade de análise. Agora, penso que [tem de haver abertura] para perceber o seu objetivo: se o objetivo é político, fica claro que estamos a lidar com um grupo que cria terror e quer mudar a Constituição ou tomar o poder à força. [Mas] se o objetivo é económico, devemos olhar para as várias intervenções económicas legais e ilegais naquela província e verificar quem são as pessoas prejudicadas com o avanço da lei naquela zona.
DW África: E não há o perigo de se conceder um estatuto a um grupo que não merece esse mesmo estatuto de interlocutor com um governo?
MY: Não sei se a valorização ou não do grupo retira algo da soberania. Entendo é que é preciso que se criem canais para que os insurgentes possam dizer o que os leva a ter aquela ação. E esses canais não podem ser, no início, canais que se assumam como de "negociação". Têm de ser canais através de uma terceira fonte, que possam permitir trazer ao Governo o que se entende ser o real motivo do problema em Cabo Delgado. Porque, até hoje, o Governo diz que não percebe qual é o motivo, mas já passaram sete anos.