Comissão defende adiamento de eleições em Moçambique
25 de abril de 2023O parecer daquela comissão, criada pelo Governo, que a Lusa consultou esta terça-feira (25.04), é um documento preliminar que esta entidade produziu com base em "perceções que os seus membros tinham sobre o tema, debates no âmbito dos seus trabalhos e a análise dos vários estudos já existentes em torno do assunto".
No estudo, recorda-se a necessidade de uma revisão pontual da Constituição para acomodar o adiamento das primeiras eleições distritais, marcadas para 2024, dado que o escrutínio, acordado no âmbito da paz entre Governo e RENAMO em 2018, resulta de um comando da lei fundamental do país, alterada naquele ano.
"É verdade que a Constituição deve idealmente ser um documento cristalizado, mas nada impede que, quando as circunstâncias assim o justifiquem, respeitados que sejam os limites materiais e temporais, se proceda à alteração das suas disposições", sustenta.
A comissãoalerta para o perigo de "os desafios" enfrentados na descentralização da governação provincial com as eleições de 2019 serem transportados para os distritos, se estes territórios tiverem eleições já em 2024.
"Os distritos encontram-se atualmente numa situação de dupla subordinação, respondendo simultaneamente aos órgãos descentralizados provinciais", que são eleitos, "e aos órgãos provinciais de representação do Estado", nomeados pelo poder central.
"As eleições distritais previstas para 2024 apresentam o risco" de fazer "alastrar os desafios", "com a agravante de existir uma probabilidade maior de, em muitos casos, ter de haver uma convivência entre diferentes organizações ou partidos políticos", assinala-se.
Por outro lado, há riscos de desconformidade do pacote legal da descentralização com a lei fundamental do país, como o que acontece atualmente, em que os órgãos de representação provincial gozam de atribuições que extravasam os seus limites, refere o documento.
A comissão indica que a experiência nas províncias tem sido marcada por duplicação e sobreposição de competências e estruturas, falta de clareza e critérios para a partilha de recursos materiais e humanos e falta de harmonização de leis.
A comissão aponta para um risco de duplicação de estruturas e competências ao nível distrital, que levaria necessariamente a um aumento significativo do esforço financeiro necessário para sustentar os novos órgãos.
Para aquele organismo, de modo a não gerar mais controvérsia, a lei fundamental devia definir que: "As primeiras eleições distritais, nos termos previstos na Constituição da República, têm lugar logo que sejam criadas as condições para a sua realização".
Na análise, é defendido o imperativo de um diálogo com as forças políticas da oposição sobre a realização das eleições distritais, com o propósito de encontrar consenso em torno da questão.
Defende-se "um acordo político em que se garanta que os partidos que tenham mais votos [nas eleições gerais] em cada distrito", possam "propor três nomes ao Ministério da Administração Estatal e Função pública para o cargo de administrador".
A comissão diz mesmo que "prática idêntica foi adotada pelo antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, a seguir às eleições de 1994, ainda que não de forma sistemática".
A comissão exorta a sociedade moçambicana a iniciar de imediato um processo de reflexão profunda e inclusiva sobre a descentralização.
O exercício, continua, deve ser realizado sem quaisquer pressões ou agendas políticas, com o propósito de definir o modelo de governação do País.
Para a entidade, a reflexão deveria produzir um documento de base para uma revisão constitucional mais profunda, abrangente, consensual e definitiva.
Há uma semana, o Conselho de Ministros decidiu alargar de 15 para 45 dias o mandato desta comissão de análise da viabilidade das eleições distritais.
Em declarações à Lusa, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição, e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceiro partido no parlamento, exigiram a revogação da mesma.
Os partidos acusam a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, de orquestrar um "golpe gradual" à democracia ao adiar o escrutínio.