Controlo na internet: "Presidente angolano será derrotado"
30 de dezembro de 2015Segundo o chefe de Estado angolano, é preciso "alterar o atual clima moral que predomina nas relações sociais, influenciadas pelo impacto das novas tecnologias de informação e comunicação".
Na sua mensagem de Ano Novo, José Eduardo dos Santos defendeu que Angola "deve dispor o mais depressa possível de legislação adequada para orientar a sociedade e as instituições" no uso das redes sociais, de forma a "reprovar ou prevenir" práticas "inaceitáveis".
A intenção foi criticada pelo ativista angolano dos direitos humanos Rafael Marques, que acusa o Presidente de tentar "controlar desesperadamente" o último reduto da luta pela liberdade de expressão e pelo fim dos seus 36 anos de poder. A DW África conversou com o jornalista sobre o assunto.
DW África: Um dos dilemas que a maioria dos países enfrenta atualmente é a falta de legislação que reja as redes sociais. Como Angola pode criar essa legislação sem que a sociedade se sinta ainda mais censurada?
Rafael Marques (RM): Primeiro, é preciso ter em atenção que em 2011 a Assembleia Nacional aprovou, na generalidade, a proposta de Lei de Combate à Criminalidade no Domínio das Tecnologias de Informação e Comunicação e dos Serviços da Sociedade de Informação. E por que é que essa lei não entrou logo em vigor e ainda não foi aprovada na especialidade? Porque o tipo de medidas que procura introduzir para o controlo da internet são um atentado à liberdade de expressão e são impraticáveis. Por exemplo, inviabiliza partilhas e proíbe que alguém publique uma fotografia no Facebook sem autorização da pessoa que esteja na fotografia. Todas essas medidas têm um objetivo central: os textos não podem mencionar uma terceira pessoa sem autorização expressa por escrito dessa pessoa.
Essa proposta de lei exclui os dirigentes, as instituições do Estado e os órgãos de informação estatais do seu cumprimento. Colocam-se acima da lei. Isso permite que qualquer pessoa que, por exemplo, publique uma fotografia do Presidente na internet possa ser processada por isso se o Presidente não gostar. A lei diz claramente que basta que o ofendido accione a queixa para que um indivíduo possa ser condenado de dois a oito anos de prisão. Obviamente, com o controlo da Procuradoria-Geral da República pelo Presidente da República, só ele e a sua família e os dirigentes do MPLA (Movimento pela Libertação de Angola, no poder) teriam condições de apresentar queixa contra os cidadãos que os criticam nas redes sociais. Até porque a lei já é clara: exclui os órgãos de informação do Estado e as instituições do Estado do seu cumprimento.
DW África: Este projeto sobrepõe-se a outras leis já existentes, como a Lei de Imprensa e até a Constituição?
Rafael Marques (RM): Este projeto viola claramente a Constituição e a Lei de Imprensa. É uma medida desesperada do Presidente em controlar aquele que é o último reduto na luta pela liberdade de expressão e, sobretudo, na luta pelo fim do seu poder de 36 anos. Na internet, de facto, o Presidente é uma figura extremamente impopular nas redes sociais.
Apesar de o MPLA ter feito um grande esforço e de ter feito investimentos no sentido de controlar e de ter muitas páginas no Facebook, tem também grande acesso nas redes sociais, contratou muitas empresas. E tem aquilo que nós chamamos a "brigada online", para fazer comentários favoráveis ao regime. Tem ainda as páginas da comunicação social do Estado na internet.
Mas não há como ganhar popularidade, nem o próprio MPLA. De modo que se esta liberdade da internet se transpuser no seio da sociedade, no quotidiano, então o Presidente terá os seus dias contados. Daí esse desespero, esta obsessão de tentar controlar as redes sociais e a internet da mesma forma que controla o Jornal de Angola e outros órgãos de informação do Estado e de uma maneira geral a imprensa privada que está sob controlo de indivíduos ligados ao poder.
DW África: O facto de esta proposta de lei não prever procedimento criminal para casos concretos não abre também espaço para arbitrariedades?
Rafael Marques (RM): A forma como a própria proposta de lei é apresentada é para permitir que os órgãos judiciais possam processar qualquer crítico sem necessidade de recurso a provas ou a grandes tratados de jurisprudência. Bastará que tenham vontade de condenar alguém.
DW África: Caso realmente seja limitada a liberdade de expressão nas redes sociais em Angola, que outras alternativas restariam ao cidadão, que já se queixa de falta de liberdade de manifestação, direitos previstos pela Constituição?
Rafael Marques (RM): É aqui que traçamos a grande linha de batalha e dizemos ao Presidente que será derrotado nessa batalha, porque há um ponto em que a ditadura não pode avançar mais. Já retirou tudo aos cidadãos, explora-os, rouba-os, mata-os, ignora o seu dever de servir o povo e ainda quer tirar a internet. Então, aí diremos ao Presidente: vamos combatê-lo também nas redes sociais e essa será a batalha definitiva. O Presidente sairá derrotado desse seu esforço, porque não vai conseguir censurar a internet como quer. Estaremos aqui para dar-lhe luta. E é assim que defendermos este espaço de liberdade.