Corrupção em Angola afeta direitos fundamentais
10 de abril de 2012
O documento “A Topografia da Corrupção e da Falta de Transparência em Angola”, divulgado segunda-feira (09.04) pela AJPD, começou a ser elaborado em janeiro de 2010 e apresenta os dez sinais e caminhos mais visíveis da corrupção em Angola.
Em entrevista à DW-África, o presidente daquela organização não governamental (ONG) angolana, António Ventura, diz que a corrupção em Angola já afeta os direitos fundamentais.
De acordo com António Ventura, o documento pretende contribuir para que procuradores, juízes e o presidente do Tribunal de Contas tenham sinais para identificar práticas de corrupção e de falta de transparência dos gestores públicos.
António Ventura (AV): Nós chamamos[ao relatório] “Topografia da Corrupção” justamente porque metaforicamente queremos descrever as características principais ou os modos como a corrupção vai tomando conta nas instituições do Estado angolano.
DW África: Este estudo vem na sequência de um programa anteriormente lançado pela AJPD, que era precisamente o programa “Boa Governação, Transparência e Cidadania”. Qual a diferença em relação ao outro estudo?
AV: Este é um programa que visa sobretudo contribuir para combater e minimizar o impacto da corrupção sobre os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. É um programa com o qual pretendemos alcançar resultados a médio e a longo prazo. Começamos por fazer um levantamento da legislação existente em Angola que pode ser utilizada para o combate à corrupção, uma vez que políticos, juízes e procuradores alegavam que não existiam diplomas legais em Angola que pudessem ser utilizados para responsabilizar ou criminalizar os agentes públicos que se servem do erário público para enriquecimento pessoal e das suas famílias. E chegamos à conclusão que desde 1990 já existe legislação suficiente para responsabilizar os agentes públicos que praticam atos de corrupção. Agora fizemos este estudo para demonstrar as várias práticas dos agentes públicos que manifestam corrupção e falta de transparência.
DW África: E está otimista com os resultados que poderão advir da publicação desse estudo?
AV: Não temos outro caminho que não seja o otimismo, embora a corrupção se vá institucionalizando cada vez mais em Angola. Vai-se tornando cada vez mais uma maneira de ser e de estar das elites políticas e económicas. Mas achamos que, enquanto organização da sociedade civil, devemos dar este passo para darmos o nosso modesto contributo. E é provável que, a partir daí, outras organizações e as próprias instituições do Estado possam tomar a peito, com alguma independência, para combater a corrupção.
DW África: Acreditamos que não terá sido fácil a elaboração desse trabalho. A AJPD encontrou algumas dificuldades para que esse documento viesse à luz do dia?
AV: Tivemos algumas dificuldades, sobretudo no último capítulo, no qual queríamos ter a opinião de vários especialistas, economistas e professores universitários sobre as reais causas do fenómeno da corrupção e também as soluções que podíamos apontar para minimizar o impacto deste fenómeno em Angola. Solicitamos opiniões de trinta especialistas, incluindo políticos, professores universitários, deputados de partidos políticos e até membros de organizações da sociedade civil. Destas trinta solicitações tivemos apenas quatro ou cinco respostas, o que quer dizer que mesmo estas pessoas têm dificuldade em abordar publicamente este fenómeno, sobretudo quando é por iniciativa da sociedade civil.
DW África: O documento chega no momento propício, no ano das eleições em Angola. Como encara essa ligação entre o documento e as eleições que, em princípio, terão lugar este ano no seu país?
AV: Não foi nossa pretensão publicar [o documento] logo este ano. Mas não deixa de ser indiferente essa ligação que faz porque também nós citamos, por exemplo, a questão da corrupção eleitoral. Temos um código de conduta eleitoral que condena o facto de os agentes políticos poderem distribuir bens durante a campanha eleitoral, o que do nosso ponto de vista constitui corrupção eleitoral. É uma prática que, infelizmente, tem sido muito feita pelo partido no poder. O outro facto consiste na realidade de ter sido usada a expressão de combate à corrupção como uma forma de moralizar a gestão na administração pública angolana. Se quisermos fazer uma avaliação do ponto de vista da implementação dos programas eleitorais, praticamente pouco ou nada de cumpriu nesse aspeto, a não ser apenas a aprovação de leis e o julgamento de alguns administradores ou de alguns gestores públicos com responsabilidades muito mínimas.
Autor: António Rocha
Edição: Madalena Sampaio/Helena Ferro de Gouveia