Porque é que a vacinação em África está tão atrasada?
21 de janeiro de 2021Nas últimas 24 horas, o continente registou mais 922 mortes por Covid-19 para um total de 81.861, e 28.109 novos casos de infeção, segundo os últimos dados oficiais da pandemia em África. Numa semana, os casos de morte subiram em 21%.
O aumento do número de mortes e de infeções preocupa os governos e as instituições internacionais, sobretudo desde que foi identificada uma mutação altamente contagiante do vírus na África do Sul.
Até à data, o continente registou oficialmente mais de 3,3 milhões de contágios. Especialistas advertem que a falta de testes e a dificuldade em obter dados fiáveis de muitos países africanos significam que o número de casos e fatalidades é bastante mais elevado. A África do Sul, por exemplo, está a realizar dez vezes mais testes em relação à população do que a Nigéria, e dos testes dependem muitos dos dados publicados.
O Zimbabué é um dos muitos países do continente que regista um aumento significativo de casos. Do total de 28.675 infeções e 825 mortes, mais de metade ocorreram nas últimas duas semanas.
Na quarta-feira (20.01), o Governo de Harare anunciou a morte por Covid-19 do ministro dos Negócios Estrangeiros, Sibusiso Moyo.
O detentor da pasta da agricultura, Perrance Shiri, morreu do vírus em julho passado.
Como estão as nações africanas a reagir ao novo surto?
Esta quinta-feira (21.01), foi a vez do Governo sul-africano anunciar a morte por Covid-19 do ministro da Presidência, Jackson Mthembu. O Executivo da África do Sul, uma das nações mais ricas do continente, tem vindo a ser alvo de duras críticas internas por não ter ainda iniciado um processo de vacinação das massas.
O país registou mais de 37.000 mortes relacionadas com o vírus e 1,3 milhões de infeções. Até à data, assegurou cerca de 30 milhões de vacinas a serem entregues nos próximos meses. Ainda não há data definida para o início da inoculação.
Também nos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP) sobem os números de infeções, Angola regista 442 óbitos e 19.011 casos de infeção e Moçambique 253 mortos e 28.270 casos, segundo números divulgados nesta quinta-feira pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC). Moçambique anunciou recentemente que só iniciará a vacinação em julho.
África não é prioridade para os países ricos
Os esforços dos países africanos para lançar programas de vacinação estão a ser dificultados pelo açambarcamento de vacinas disponíveis pelas nações industrializadas, advertiu na segunda-feira o secretário-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus.
"A promessa de acesso equitativo está em sério risco", disse Ghebreyesus numa sessão do conselho executivo da OMS.
"Em 49 países com rendimentos mais elevados já foram administradas mais de 39 milhões de doses de vacinas. Há um país de baixo rendimento no qual foram administradas apenas 25 doses. O mundo está à beira de um catastrófico fracasso moral. O preço deste fracasso será pago com vidas e meios de subsistência nos países mais pobres do mundo", disse.
As vacinas asseguradas até agora pelo programa COVAX da OMS para países pobres não serão disponibilizadas antes do final de março, enquanto que as grandes entregas estão programadas apenas para junho.
A meta do programa COVAX é fornecer duas mil milhões de doses a nível mundial até ao final de 2021.
É "tolice" depender do Ocidente
Os líderes africanos já não escondem a sua desilusão pela falta de solidariedade internacional.
Numa entrevista com a DW, o ministro queniano da Saúde, Mutahi Kagwe, apelou à autosuficiência africana.
"É muito importante chegar à conclusão de que depender das nações ocidentais para o nosso bem-estar no que diz respeito a questões médicas é uma tolice", disse Kagwe.
Ellen Johnson Sirleaf, ex-presidente da Libéria e copresidente do Painel Independente para a Preparação e Resposta à Pandemia da OMS, concorda.
Mas numa entrevista com DW, Sirleaf afirmou que a pandemia poderia ter sido potencialmente evitada em primeiro lugar se "a China tivesse dado informações sobre algumas das descobertas anteriores sobre uma fuga" e "se a OMS tivesse tido um sistema de alarme atempado e eficaz".
Esforços envidados pela União Africana
O Presidente sul-africano e atual líder da União Africana (UA), Cyril Ramaphosa, anunciou na semana passada que a equipa responsável da organização tinha assegurado 270 milhões de doses de vacina Covid-19.
O que está longe de assegurar o objetivo de vacinar 60% dos 1,3 mil milhões de africanos, na esperança de alcançar a imunidade coletiva.
"Os volumes a serem libertados entre fevereiro e junho não irão além das necessidades dos trabalhadores da linha da frente dos cuidados de saúde", advertiu a UA numa declaração, admitindo que "poderão, assim, não ser suficientes para conter o sempre crescente número de vítimas da pandemia em África".
Segundo um projeto preparado pelo Banco Africano de Exportação-Importação, os países africanos pagarão entre três a dez dólares norte-americanos por dose de vacina organizada pela UA, informou a agência noticiosa Reuters.
Embora se trate de uma soma bastante inferior aos entre 19,50 e 37 dólares que as nações mais ricas estão a pagar, ela representa um fardo financeiro considerável para os países que já agora mal conseguem gerir as consequências económicas da pandemia.
Para combater o vírus, as nações africanas pobres correm o risco de se terem que endividar ainda mais.
Mariel Müller e Marula Kauffmann contribuíram para este artigo.