Crise do Golfo envolve continente africano
14 de junho de 2017O Golfo Pérsico está mergulhado numa grave crise diplomática desde o início do mês. A Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, mas também o Egito e o Iémen, romperam as relações diplomáticas com Doha e acusam o Qatar de apoiar e patrocinar organizações terroristas como o Estado Islâmico. Esta guerra diplomática, entre a pequena nação petrolífera e os países árabes vizinhos, envolve cada vez mais nações africanas. O Senegal foi o primeiro a retirar o embaixador em Doha. O Chade e a Mauritânia seguiram o exemplo, e durante o último fim de semana, o Níger reproduziu a decisão.
De acordo com Annette Weber, especialista em assuntos do Médio Oriente e África do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, esta espécie de cólera diplomática que ameaça a estabilidade no Golfo é uma das piores da década. Na sua opinião, esta crise "pode afetar os países africanos de uma forma profunda e de várias maneiras”. "Se tomarmos o exemplo do Sudão, mas também de outras nações que não têm uma maioria muçulmana, como a Eritreia, estes países têm estado ao lado dos sauditas no Iémen, mas também têm ligações fortes com o Qatar, que é dos principais parceiros, especialmente no caso do Sudão na mediação da questão do Darfur. Tomar um dos lados teria implicações profundas”, afirmou Annette Weber, lembrando que "a maioria dos países africanos tem laços com os dois países, não havendo muitos Estados a terem razões de queixa em relação ao Qatar ou à Arábia Saudita”.
Que posição tomar?
Com vista a contornar o problema, a Somália já anunciou que tomou uma posição neutral. No entender de Annette Weber, esta é uma decisão sensata, uma vez que o país "tem interesse em ambos os lados”. "A Somália quer continuar a vender gado à Arábia Saudita e ao Qatar e precisa do dinheiro do emirado. A influência do Qatar é enorme na Somália. Por outro lado, a Somália também quer ter boas relações com todos os outros países do Golfo, porque também investem neste país", constata.Os efeitos do bloqueio já atingiram os supermercados do Qatar, onde já escasseiam bens alimentares. A Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein fecharam as fronteiras terrestres e marítimas com o pequeno emirado e impuseram várias restrições à companhia aérea Qatar Airways.
Para Sigmar Gabriel, ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, deverá existir uma solução diplomática. ”Se formos honestos, sabemos que, no passado, não foi apenas o Qatar a financiar estruturas terroristas. Na Alemanha, temos a expressão: Se apontares o dedo a alguém, tem cuidado porque estão outros três virados para ti. Sabemos que até hoje, houve fluxos de financiamento do terrorismo a partir de vários lugares e temos de pôr fim a todos. Não podemos, por um lado, trabalhar em conjunto contra o Estado Islâmico e, por outro, financiar indivíduos ou organizações terroristas. Espero que a crise atual nos leve a por um ponto final nisso”, afirmou.Alpha Condé, chefe de Estado da Guiné-Conacri - e Presidente em exercício da União Africana - já se mostrou disponível para fornecer "intermediação" na crise diplomática entre o Qatar e os países vizinhos.
Esta quarta-feira (14.06), o ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Cavusoglu, vai encontrar-se, no Qatar, com o emir Hamad Al-Thani. Ancara anunciou que enviou três peritos militares para o emirado para coordenar o envio de tropas depois do bloqueio dos países vizinhos.
Moçambique pode beneficiar
Segundo Ravi Bhathia, analista da agência de notação financeira Standard & Poor's, que segue Moçambique, a instabilidade política no Qatar pode ter um efeito positivo neste país africano, uma vez que mostra a necessidade de diversificar as fontes de produção de gás. Para o responsável, a situação "é como um 'cartão amarelo' para o Qatar e motiva os compradores de gás a olharem para opções de diversificação, especialmente a Índia, que está a crescer muito depressa e tem muita procura e pouca oferta". A assinatura da Decisão Final de Investimento por parte da italiana ENI vai, aos olhos deste analista, "ajudar na perspetiva do 'rating' porque comprova um cenário em que Moçambique terá um significativo fluxo de verbas a entrar".