"Digam que erraram!" Críticas à polícia moçambicana aumentam
22 de março de 2023A polícia moçambicana disse que reprimiu as marchas de sábado (18.03) em homenagem ao rapper Azagaia porque, alegadamente, os manifestantes pretendiam provocar desordem pública.
Em conferência de imprensa, na terça-feira, Fernando Tsucana, vice-comandante da Polícia da República de Moçambique (PRM), denunciou que os manifestantes eram liderados por figuras com ligações a partidos políticos e organizações não-governamentais, incluindo Venâncio Mondlane, Quitéria Guirengane, Augusto Pelembe, Albano Carige, Manuel de Araújo, Fátima Mimbire, entre outros.
Será que a lista foi divulgada para meter medo aos políticos e ativistas moçambicanos? Qual a intenção da polícia ao enumerar todos os nomes?
Acusações "falsas"
Quitéria Guirengane, uma das organizadoras da marcha, rejeita a tese da polícia de que todas essas pessoas se estariam a aproveitar da morte do rapper Azagaia para causar distúrbios.
"Essa gente descobriu que a Quitéria era política no sábado? Descobriu que havia aproveitamento político no sábado?", questiona.
À DW África, Manuel de Araújo, político da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), diz que estranha a posição da PRM.
O edil da cidade de Quelimane espera que, nas próximas 24 horas, a polícia prove as acusações, "detalhando as razões pelas quais o [seu] nome consta desta lista".
"Lendo o comunicado da PRM, os factos que dali constam aconteceram noutras cidades e não em Quelimane", sublinha.
Se a PRM não se pronunciar no prazo estipulado por Manuel de Araújo, o político ameaça processar a corporação.
"Uma vez que estamos num Estado de Direito democrático, penso que tenho direito de acionar mecanismos que os forcem a provar o que disseram", acrescenta. Manuel de Araújo lamenta, por outro lado, que a PRM não o tenha parabenizado por ter participado numa marcha sem violência, em Quelimane.
"Digam que erraram!"
Quem também não gostou das palavras da Polícia da República de Moçambique foi Albano Carige, o presidente do município da Beira. O político diz-se envergonhado com atuação da polícia nacional, que agrediu os manifestantes com bastões, disparou balas de borracha e gás lacrimogéneo, fazendo pelo menos 14 feridos nas várias marchas realizadas um pouco por todo o país.
"Deveriam pedir desculpas aos moçambicanos. Digam que erraram! Não venham tapar as nossas vistas!", apela.
A ativista moçambicana Fátima Mimbire também espera um pedido de desculpas da PRM.
"Estávamos na expetativa de termos autoridades humildes, que reconhecessem o excesso de zelo. Que viesse nos dizer que há um trabalho para averiguar os excessos que foram cometidos." Mas não foi isso que aconteceu.
Prevenção à bastonada?
O vice-comandante da PRM disse que a polícia agiu corretamente, de forma preventiva. No entender de Augusto Pelembe, membro sénior do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), isso não passa de uma "mentira" para justificar a má atuação dos agentes.
"É uma tentativa de calar as vozes que incomodam o regime, porque não faz sentido pessoas sem armas serem suspeitas de fazer um golpe de Estado", diz Pelembe.
Em Cabo Delgado, a PRM dialogou com os organizadores da marcha local e chegou a um acordo para a não realização da homenagem ao músico Azagaia, invocando motivos de segurança. Mas o cenário foi bastante diferente na Beira, Chimoio, Xai-Xai, Nampula e Maputo, onde, além dos feridos, várias pessoas foram detidas.
Augusto Pelembe conta que foi detido durante cerca de seis horas, no último sábado, numa das esquadras da PRM na capital.
À DW África, lamenta ver o seu nome exposto pela corporação, como se fosse um criminoso: "A partir de agora, se acontecer alguma coisa comigo e com a minha família, a sociedade moçambicana já sabe que a culpada será a polícia", alerta.
"Mas uma coisa lhes garanto: não vamos desistir."
O edil de Quelimane, Manuel de Araújo, também acredita que, ao referir os nomes de várias pessoas como agitadoras, a PRM estará a tentar manchar a sua imagem junto do eleitorado, tendo em vista o ciclo eleitoral, que começa já no final do ano.
Mas, diz Araújo, as autoridades nacionais "estão a escrever na água".
"Os munícipes de Quelimane sabem o que querem. Não são pessoas de inteligência mediana como algumas pessoas que dirigem a Polícia da República de Moçambique", assegura o político da RENAMO.
Imprensa crítica também foi citada
Na conferência de imprensa de terça-feira, além de citar vários políticos e ativistas, a PRM também acusou alguns órgãos de comunicação social locais de estarem a promover um levamento social. As declarações não agradaram ao MISA Moçambique, uma organização que defende a liberdade de imprensa, que já solicitou explicações à ministra do Interior, Arsénia Massingue, de acordo com um comunicado publicado esta quarta-feira.
Por outro lado, o MISA diz também ter submetido um pedido ao Provedor de Justiça para "que sejam assacadas as responsabilidades institucionais e individuais" da violência contra os manifestantes no último sábado.
O MISA conclui que "esta conduta é reveladora do quão alérgicas às manifestações pacíficas e às liberdades de expressão e de imprensa são as autoridades policiais do país, o que reforça a ideia de estabelecimento de um Estado ditatorial".