Economia africana cresce embora incertezas sejam muitas
24 de maio de 2016Os leões africanos rugem vigorosamente a acreditar no African Economic Outlook (AEO), divulgado esta segunda-feira (23.05) em Lusaca, Zâmbia, pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e pelas Nações Unidas. Este relatório, que oferece uma vista panorâmica sobre o estado da economia do continente africano, prevê um crescimento de 3,7% este ano e 4,5% em 2017, se os preços das matérias-primas mantiverem a recuperação e a economia mundial não se constipar.
O continente "tem um bom desempenho no que diz respeito às perspectivas sociais, económicas e de governação e tem um futuro encorajador para o futuro a curto prazo", depois de em 2015 ter crescido 3,6%, acima da média mundial de 3,1%, e mais do dobro da zona euro, de acordo com o AEO.
Apesar do horizonte de crescimento, a economia africana sofre pressões orçamentais decorrentes da quebra dos preços das matérias-primas, e por isso "manter a dívida em níveis sustentáveis tornou-se cada vez mais importante", defende-se no relatório, que elogia os governos, "genericamente prudentes nas políticas orçamentais, na limitação das despesas e na melhoria da cobrança fiscal".
Angola desacelera em 2016
Se todos os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) enfrentam enormes desafios económicos e políticos, Angola tem pela frente vários de enorme complexidade.
A economia angolana tem uma enorme exposição à flutuação dos preços do petróleo, de tal forma que muitos analistas qualificam essa dependência como “a doença angolana”. Entre 2011 e 2013, estima o Fundo Monetário Internacional (FMI), o sector petrolífero representou, cerca de 45% do Produto Interno Bruto, e a receita do petróleo equivaleu a cerca de 80% das receitas arrecadas pelo Estado.
Segundo o African Economic Outlook, Angola vai abrandar de um crescimento económico de 3,8%, no ano passado, para 3,3% este ano, podendo recuperar ligeiramente em 2017, situando-se em 3,5 %. Previsões estas que estão no entanto envoltas numa grande incerteza.
“Os números são optimistas até optimistas demais” , afirma o analista financeiro português Marco Silva. “A questão é esta: será que o petróleo vai subir de valor? Os mercados financeiros dizem que não”. Poderemos assistir a “uma nova realidade energética na próxima década, nos próximos dez quinze anos”, salienta Marco Silva, o que tornará o petróleo obsoleto. “O que se pode fazer? Abrir a economia ao mercado”.
O economista angolano Carlos Rosado de Carvalho não gosta de falar no petróleo como a “doença angolana” e considera que o choque estrutural sofrido em consequência da quebra do preço do barril de crude tem múltiplas causas. ”Eu costumo dizer que o problema de Angola não é a dependência do petróleo, mas a doença da economia angolana consiste na incapacidade, na falta de competitividade, na falta de capacidade de produzir bens e serviços com um preço e uma qualidade que sejam competitivos internacionalmente”.
Esse salto qualitativo não se faz de um momento para outro. “Se em praticamente catorze anos depois da paz a economia não se conseguiu diversificar não será nos próximos dois ou três anos que o irá fazer. Se forem tomadas as medidas necessárias, e este se é muito importante, dentro de cinco, seis anos veremos resultados”.
Para este economista importa melhorar o ambiente de negócios e atrair investimento directo estrangeiro. “Acho que isso faz a diferença. Não me parece que Angola consiga diversificar a economia sem investimento estrangeiro e não estou a falar de grandes projectos. Estou a falar de Pequenas e Médias Empresas que venham produzir em Angola aquilo que neste momento exportam para o país. Claro que para isso temos de mudar a nova lei do investimento privado que inclui o investimento estrangeiro e precisamos de mudar as leis de migração”.
Tensão política e gás põem Moçambique à prova
No relatório são apontados dois grandes desafios para Moçambique: recuperar a dinâmica do crescimento económico e garantir a sustentabilidade orçamental e da divida; e ultrapassar o “conflito de baixa intensidade”, entre o Governo e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) que assola o país desde 2013.
A redução dos lucros nas exportações e a despesa pública são os dois principais motivos apontados para o abrandamento do Produto Interno Bruto para 6,3 % no ano passado. Para 2016 prevê-se uma ligeira aceleração para 6,5%.
“A paz é essencial para que haja progresso”, afirma Marco Silva, porém “não é apenas a paz que fará a economia crescer, há que abrir a economia ao privados e não apenas aos privados negociados pelo governo”. Este analista alerta ainda para o excesso de optimismo no sector do gás. “O problema é este: o gás nos últimos dois anos perdeu quase 70% do seu valor nos mercados internacionais e existe actualmente excesso de oferta. Não é o gás que irá revolucionar a economia moçambicana. Moçambique tem outras mais valias”. Note-se que a extracção de gás natural só começará a dar dividendos em “2025, e serão poucos e só por volta de 2040 estará em velocidade de cruzeiro. Nessa altura ninguém sabe se o gás ainda será uma fonte energética”.
Crescimento é uma planta delicada na Guiné
A Guiné-Bissau é um país que continua mergulhado numa nova crise política desde Agosto de 2015, poderá voltar a níveis de crescimento acima dos 5% este ano e registar 6,2% em 2017. Todavia o African Economic Outlook é cauteloso nas suas previsões devido ao volátil clima social e político, do desempenho do setor do caju e da continuação de reformas.
Depois de quase três anos de estagnação no seguimento do golpe de Estado de 2012, a Guiné-Bissau conseguiu retomar os níveis de crescimento, mas o "caos político em 2015 pode pôr em causa as previsões de crescimento e a viabilidade das reformas", lê-se no documento.
Consolidação orçamental deve ser prioridade para Cabo Verde
A consolidação orçamental e o aumento da produtividade são os dois principais fatores para garantir um crescimento económico sustentável em Cabo Verde, que deverá situar-se em 4% este ano, alicerçado no turismo e investimento estrangeiro, e repetir esse número em 2017.
Segundo os analistas do AEO, apesar “de o défice orçamental ter diminuído face aos elevados níveis recentes, a consolidação orçamental continua a ser uma prioridade para reduzir o risco de dívida exagerada, tranquilizar os investidores e garantir a estabilidade macroeconómica". O relatório refere ainda que "a economia não atingiu ainda o potencial máximo devido à deflação e aos altos níveis de desemprego".
Investimento direto estrangeiro em São Tomé e Príncipe
Mais de 5% deverá crescer a economia são-tomense em 2016 e 2017. O aumento do investimento direto estrangeiro na construção, agricultura, turismo e os novos projetos dos doadores devem liderar e aumentar o crescimento nos próximos anos", escreve-se no documento. Elogiando as reformas levadas a cabo nos últimos anos, particularmente no capítulo fiscal, o AEO diz que a nova legislação, se for aplicada eficazmente, "vai melhorar a eficiência da administração pública e dos serviços sociais para a população".