Eleições na África do Sul: O que está em jogo?
27 de maio de 2024Os sul-africanos vivem em democracia há 30 anos e está em jogo algo bastante importante no sufrágio de 29 de maio, segundo os especialistas.
Várias sondagens sugerem que o partido no poder, o Congresso Nacional Africano (ANC), do Presidente Cyril Ramaphosa, poderá perder a maioria após três décadas no poder.
Ainda assim, Steven Gruzd, chefe do Programa Africano de Governação e Diplomacia do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais, acredita que o ANC pode garantir uma pequena maioria.
"A minha sensação é que, de alguma forma, o ANC conseguirá um pouco mais de 50%, mesmo que seja atualmente bastante impopular", disse Gruzd à DW África.
Democracia em jogo
Para Tessa Dooms, analista política sul-africana, não é apenas o futuro do ANC que está em jogo nestas eleições, mas toda a experiência democrática do país.
"A parada está bastante alta nestas eleições sul-africanas. Muitas pessoas estão desiludidas com a democracia neste momento", comentou.
De acordo com Dooms, as eleições dos últimos anos não proporcionaram a mudança que as pessoas desejavam, e muita gente perdeu a esperança no papel da democracia.
"As pessoas estão a afastar-se da ideia das eleições como instituição democrática, e outras instituições democráticas estão a ser abandonadas pela população em geral", afirmou Dooms, acrescentando que há um sentimento geral de que a democracia não está a funcionar como deveria.
A África do Sul é a principal economia do continente africano, mas milhões de cidadãos enfrentam problemas socioeconómicos graves.
No seu discurso sobre o Estado da Nação, em fevereiro, Ramaphosa garantiu que a pobreza no país caiu de 71% em 1993 para 55% em 2020. Mas os números do Banco Mundial apontam para uma taxa de pobreza que estagnou em torno dos 62% a 63% desde 2008.
Jovens em busca de melhores condições de vida
Segundo Gruzd, o estado da economia sul-africana ocupa as mentes de muitos eleitores. "Os grandes problemas do país [são] a energia, a corrupção, a falta de emprego, as desigualdades [e a má] prestação de serviços", enumerou.
Dooms concorda, acrescentando que a maioria destas questões tem maior probabilidade de afetar os jovens, com muitos deles à procura de uma mudança nas suas condições de vida.
"Seja água, eletricidade ou habitação, não existe um plano para a prestação de serviços. Tem havido problemas em torno da corrupção", recordou.
A taxa de desemprego era de 32,4% em 2023, sendo que os jovens representam mais de metade desse valor.
"Nestas eleições, os jovens são um importante bloco eleitoral; 42% dos eleitores registados têm menos de 40 anos, ou seja, 11 milhões de votos", notou.
De acordo com Tessa Dooms, muitos jovens que poderiam decidir o resultado das eleições estão indecisos. A especialista culpa a falta de educação dos eleitores e a postura indiferente de alguns jovens, que procuram soluções para as suas necessidades diárias, em detrimento de alterações estruturais.
"Os jovens sentem que a política ainda é um jogo de 'mais velhos', embora os jovens sejam a maioria", opinou.
A questão de Gaza
A campanha judicial da África do Sul contra Israel no que toca ao conflito em Gaza poderá também desempenhar um papel importante nestas eleições. Em dezembro de 2023, a África do Sul abriu um processo contra Israel, acusando o país de violar obrigações ao abrigo da Convenção do Genocídio.
O pedido pretendia obter medidas provisórias para salvaguardar os direitos do povo palestiniano.
O Egito também anunciou o seu apoio ao caso e planeia apresentar uma declaração de intervenção no caso da África do Sul contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ).
"A posição forte da África do Sul no Tribunal Internacional de Justiça e no caso de genocídio que instaurou contra Israel é uma tentativa desesperada de tentar ganhar o voto muçulmano", considera Gruzd.
Fator Jacob Zuma
As hipóteses de o ANC vencer estas eleições também foram agravadas pela decisão do antigo Presidente Jacob Zuma deixar o partido para lançar um novo grupo político.
"É um fator importante na forma como estas eleições irão decorrer", destacou Tessa Dooms, sublinhando que a candidatura de Zuma abalou o ANC.
Gruzd, no entanto, não pensa que o fator Zuma (entretanto, impedido pelo Tribunal Constitucional de concorrer às eleições) impeça, por si só, que o ANC vença as eleições, embora possa precipitar o país para a necessidade de uma coligação para formar Governo.
O ANC "continua a ser muito popular nas zonas rurais. Às vezes, julgamos as coisas a partir da cidade", referiu. "A minha sensação é que o ANC tem vindo a diminuir gradualmente e continua esse declínio, [mas] não vai abandonar o poder facilmente", frisou.
Negociações difíceis
Grudz prevê que as negociações para uma coligação sejam duras. "Se as sondagens estiverem certas e eu estiver errado, é quase certo que [o ANC] precisa de encontrar parceiros de coligação", disse, acrescentando que muitos temeriam uma coligação com os Combatentes pela Liberdade Económica (EFF), um partido liderado por Julius Malema.
"Para muitas pessoas, o cenário apocalíptico é um Governo [de coligação] ANC-EFF, o que empurraria o ANC ainda mais para a esquerda e o tornaria mais radical. Penso que os mercados reagiriam muito mal", antevê.
Tessa Dooms salienta que, qualquer que seja o resultado destas eleições, os sul-africanos estão ansiosos por uma mudança que cumpra a promessa de desenvolvimento económico e de segurança, e que aborde as vastas desigualdades do país.
"Será importante incluir as pessoas na economia", concluiu.