Empresas florestais apostam no Niassa
13 de abril de 2013
Vestido de camisa verde escura e com galochas da mesma cor, que tapam parte das largas calças cor de laranja, Aíde Saíde dá de beber a um longo tapete verde. Sob um comprido estrado de madeira, os pequenos pinheiros, com dois palmos de altura, têm de ser regados duas vezes ao dia.
Atento à rega e aos restantes trabalhos, Gordinho Manuel Lourenço, jovem moçambicano de 26 anos, explica com detalhe as atividades do viveiro de plantas de pinho "occarpa", cuja semente é proveniente da Costa Rica: "estas plantas aqui já têm, mais ou menos, quatro meses e já estão prontas para a plantação. Já fizemos todo o tratamento. O que está a acontecer agora é, simplesmente, o endurecimento para que se possam adaptar melhor ao campo de cultivo definitivo".
Gordinho Manuel Lourenço coordena a equipa, de 40 pessoas, e todos os processos: desde que as sementes importadas são lançadas aos alfobres até que, três a quatro meses depois, os pequeninos pinheiros e eucaliptos deixam o viveiro para serem plantados nos campos. Devem ser replicados em Malulu, Muembe, Nconda ou N’Tuile, localidades no norte da província do Niassa.
Logo depois de ter terminado de estudar no Instituto das Indústrias Florestais de Manica, em 2008, Gordinho Manuel Lourenço encontrou facilmente emprego no viveiro de plantas, da Green Resources, em Malulu. A empresa norueguesa é uma das companhias internacionais que, desde 2006, têm apostado na plantação florestal no Niassa.
Forte potencial para a produção de madeira
As empresas chegaram atraídas pelo elevado potencial de produção de madeira do Niassa: cerca de 2,4 milhões de hectares de plantações, devido às boas condições do solo e do clima. Pintada de vastos planaltos verdes, a mais extensa província de Moçambique é, ao mesmo tempo, a menos povoada (com uma densidade populacional de apenas oito habitantes por quilómetro quadrado).
Pelo que encontraram espaço para grandes plantações seis empresas internacionais: a Chikweti Forests of Niassa e a Companhia Florestal de Massangulo, ambas pertencentes a um fundo de investimento sueco, holandês e norueguês; e ainda as empresas Florestas de Niassa, da Áustria; Florestas do Planalto, da Finlândia; a norueguesa Green Resources; e a britânica New Forests. Todas elas com participações minoritárias de moçambicanos.
Apostaram na província em articulação com a Fundação Malonda, entidade privada de utilidade pública que se tem dedicado à captação de investimento, em várias áreas, para o Niassa.
As companhias internacionais trouxeram um novo ritmo a toda a província, em particular, à capital, Lichinga, onde abriram muitas filiais de bancos e onde circulam atualmente mais automóveis, do que antes da chegada das empresas.
Mais de 500.000 hectares até 2025
Até à data, as seis companhias investiram na província um valor global que ronda os 43 milhões de dólares (mais de 31 milhões de euros). E já plantaram, em termos gerais, 34.000 hectares de eucalipto e pinheiro, espécies de crescimento rápido.
Mas é ainda insuficiente, avalia Inocêncio Sotomane. O presidente da Associação das Empresas Florestais explica: "o que nós temos ainda nem justifica a instalação de fábricas, como de polpa ou de processamento de madeira. Para justificar uma indústria de polpa, tem que se ter uma área útil de mais ou menos 200 mil hectares plantados." Até 2025, a associação pretende plantar 573.000 hectares, numa área útil de 800.000 hectares (uma parte tem de ser reservada para conservação).
Choque entre empresas e comunidades
Para chegarem a essa meta, as empresas terão de reforçar o ritmo de plantações. O ritmo foi quebrado diversas vezes, principalmente nos primeiros anos de atuação das empresas. Surgiram vários conflitos de terras entre as empresas e comunidades locais.
As comunidades queixaram-se de que não foram consultadas como queriam, acusando as empresas de ocuparem as suas terras férteis para a agricultura.
Abdul Magauba, da União Provincial de Camponeses, esclarece a origem dos conflitos: "onde o camponês está a produzir é também onde as empresas florestais implementam os seus projetos, ao pé da estrada e das comunidades. As plantações que as empresas estão a produzir consomem grandes quantidades de água e receamos que, no futuro, as comunidades fiquem sem acesso à água potável para o seu consumo".
O representante da União Provincial de Camponeses acrescenta: "para confecionarem os seus alimentos, as comunidades necessitam de lenha. E se as empresas florestais colocam as suas árvores perto das comunidades, isso quer dizer que elas terão de percorrer grandes distâncias para poderem confecionar os seus alimentos".
As empresas florestais, por sua vez, garantem que utilizaram as terras com o aval das autoridades, através do Direito de Uso e Aproveitamento de Terras (DUAT), e que ao estarem próximo das comunidades facilitavam o acesso aos novos empregos.
Revoltadas, várias comunidades destruíram plantações, principalmente da empresa Chikweti, a primeira a investir no Niassa, em 2006.
Expectativas não correspondidas
Nas comunidades surgiram grandes expetativas de emprego nas novas empresas, que por vezes se revelaram desilusões.
"Se fosse um emprego garantido e definitivo seria bom", diz Abdul Magauba. No entanto, o representante da União Provincial de Camponeses afirma que as comunidades não estão satisfeitas: "o que temos vivido é que são contratos sazonais. Então normalmente, quando isso acontece, o camponês já perdeu o período de lavoura e cultivo. E quando é despedido fica sem alternativas para se poder alimentar; uma vez que está desempregado e perdeu o tempo de produção quando estava a trabalhar".
Na altura de plantações, entre dezembro e março, a contratação de mão de obra atinge um pico máximo que pode chegar a oito mil postos de trabalho. Mas as empresas não conseguem manter o mesmo nível de contratação todo o ano. Não obstante, a Associação de Empresas Florestais garante que trabalham, normalmente, quatro mil moçambicanos, direta e indiretamente, para as companhias.
Ação social nas comunidades
O choque de culturas entre o negócio e as comunidades locais esfriou as relações. Mas os laços têm vindo a ser reatados à medida que as empresas decidiram apostar em ações de responsabilidade social.
Francisco Pangaya, diretor da Fundação Malonda, entidade que tem captado investimento das empresas florestais, observa algumas transformações na província: "algumas empresas deram apoio às comunidades através de construção e reabilitação de infraestruturas sociais, como escolas, postos de saúde e maternidades. Em seu turno, as comunidades respondem como forma de ajudar as empresas a controlar e a combater queimadas descontroladas no meio das florestas".
Em Chiconono, no distrito de Muembe a norte de Lichinga, muitos vêem com bons olhos a chegada da companhia britânica New Forests. Têm uma escola nova, uma maternidade, painéis solares, mais furos de água e uma floresta comunitária.
"A empresa, para mim, foi bem-vinda. Porque isto não era assim, não havia este tipo de desenvolvimento. Mas por causa da empresa já estamos a ver muitos jovens a desenvolver [as suas atividades]. Aquele jovem que era trabalhador da empresa, com a sua capacidade, já se esta a desenvolver; estão aqui novas motorizadas e casas de chapa por causa da empresa", diz Paulo Sabita Adimo.
O representante da Associação Conselho de Gestão Comunitária, Ngadinge, faz a articulação entre a empresa New Forests e seis comunidades de Chiconono. O moçambicano conta que, no ano passado, receberam 545.000 meticais (mais de 13.000 euros), do fundo de desenvolvimento comunitário da empresa, que terão beneficiado dezenas de pessoas.
Lúcia Casende, por exemplo, recebeu, em 2011, 20.000 meticias (480 euros) com os quais pode comprar o único congelador que hoje existe em Chiconono: "guardei esse dinheiro para comprar este congelador. Está a ajudar-me porque posso guardar os carapaus, que assim não ficam podres. Estou muito contente", confessa.
Das florestas à agricultura
Algumas empresas, como a New Forests e a Green Resources começam a apostar em projetos agrícolas, por exemplo, nos distritos de Sanga e Muembe, a norte de Lichinga.
John Mkumbira, daquela empresa britânica, faz a articulação com as comunidades locais. Garante que, neste momento, está a ser implementado um projeto de plantação de soja de cinco hectares como base de experiência: "no próximo ano, prevêem-se 300 hectares como ponto de partida".
A empresa irá apoiar os produtores "através de fornecimento de sementes, preparação do terreno, formações", assegura John Mkumbira, acrescentando: "vamos agir no sentido de procurar mercado para os camponeses e também vamos agir como primeiro comprador, de forma que, se não existir comprador, o produtor nunca vai ficar na mão".
Abdul Magauba, da União Provincial dos Camponeses, está otimista com os projetos agrícolas do que com os florestais:" sentimos que esta iniciativa é boa e que vai realmente mudar a vida dos camponeses, praticar uma cultura com mercado localizado".
Niassa terá fábricas para processar madeira
As empresas internacionais planeiam, a médio prazo, construir fábricas de processamento de madeira, que começará a ser abatida dentro de cerca de dez anos.
A madeira terá diversas finalidades, pois "cada empresa tem a sua linha de mercado, desde polpa, madeira serrada, produção de mobílias, postos de energia, incluindo até fornecimento de energia", diz Inocêncio Sotomane. Parte da produção será para o mercado interno, a restante para exportação.
O presidente da Associação das Empresas Florestais augura assim o aumento do volume de exportações, contribuindo positivamente para a balança de pagamentos de Moçambique.
A expectativa de exportação obrigará ao melhoramento das acessibilidades. Neste momento, Niassa é a única província de Moçambique que não está ligada por estradas asfaltadas às outras regiões do país – é preciso percorrer longos quilómetros por vias picadas.
Para baixar os custos de transporte da exportação da madeira, também será preciso reabrir a linha férrea numa extensão de 260 quilómetros entre Lichinga e Cuamba, cidade esta que tem ligação ferroviária para Nampula e o porto de Nacala.
Impacto ambiental: perigo para a floresta de miombo
As novas árvores do Niassa são plantadas em áreas abertas, terras cansadas para a agricultura. Contudo, poderão vir a ocupar zonas de floresta nativa, a floresta de miombo (conhecido localmente como massuco). O que poderá desencadear problemas ambientais, alerta o coordenador no Niassa da organização de defesa do meio ambiente WWF.
Geraldo Chizango defende que apesar da floresta de miombo ter pouco valor comercial, "tem um papel ativo do ecossistema", pois há "espécies de pássaros e répteis que habitam naquele ecossistema".
A introdução de novas espécies de árvores poderá alterar a vida do ecossistema, pelo que "provavelmente, aquelas espécies de pássaros terão que migrar para outros locais", prevê.
Estudos dizem que espécies de crescimento rápido, como o pinheiro e o eucalipto, desgastam os solos e consomem grandes quantidades de água. Geraldo Chizango, da WWF, afirma que o cenário poderá tornar-se "preocupante, porque corremos o risco de ter os rios secos e as terras húmidas a desaparecerem, motivadas pelas plantações de eucalipto".
Os riscos ambientais são, para já, uma questão pouco fértil nas terras do Niassa. Empresas, autoridades e comunidades preferem que, juntamente com os eucaliptos e pinheiros, a província veja crescer o emprego e a economia.
Autora: Glória Sousa
Edição: Johannes Beck