Reunião com Chega: "VM tem de explicar o porquê do encontro"
29 de julho de 2024Em périplo pela Europa, o candidato presidencial moçambicano Venâncio Mondlane começou por visitar Portugal, onde se reuniu com o partido de extrema-direita Chega. Este encontro, que antecedeu a sua passagem pela Alemanha, gerou uma onda de críticas devido aos valores controversos defendidos pelo Chega, como a xenofobia e o racismo. A reunião foi considerada como antiética e contrária aos princípios de inclusão e igualdade, segundo diversos setores da sociedade moçambicana.
A decisão de Mondlane de se encontrar com o Chega suscitou um intenso debate sobre as intenções e objetivos por trás desta reunião. Muitos questionam se esta ação poderia comprometer os valores da Coligação Aliança Democrática (CAD), que apoia a candidatura de Mondlane. A ausência de uma explicação clara sobre os motivos deste encontro levanta dúvidas e preocupações entre os apoiantes da CAD e a população em geral, segundo o professor universitário de ciência política e direito, Régio Conrado.
Em entrevista à DW, o académico argumenta que, embora o encontro tenha gerado choque e controvérsia, não necessariamente compromete a integridade ética da CAD. E sublinha que a reunião pode ter sido estratégica e espera um esclarecimento de Mondlane para dissipar as dúvidas e críticas. Segundo ele, é crucial entender os objetivos e contextos específicos que motivaram esta interação, evitando julgamentos precipitados.
DW África: Viu algum inconveniente no encontro entre a CAD e o Chega?
Régio Conrado (RC): De facto, a CAD, ao encontrar-se com o Chega, entra, em parte, em choque com as aspirações, as percepções, que algumas pessoas, alguns setores da sociedade, sobretudo moçambicana, têm para com a CAD. Porém, o que é necessário também entender é que, por detrás das críticas ou da ideia da inconveniência deste encontro, também está ausente uma clareza sobre os objetivos que ditaram este encontro entre a CAD de Venâncio Mondlane e o Chega. É muito provável que, mesmo que haja contradições na ordem ideológica ou nos posicionamentos políticos em relação a vários assuntos que tocam a Moçambique, aos imigrantes moçambicanos em Portugal, mas é provável que, no âmbito das conversações, tenham havido, por exemplo, alguns aspetos que podem ser utilizados como base fundamental do encontro.
O que me parece problemático é que, de facto, o Chega é um partido xenófobo, é um partido racista, é um partido negacionista, que entra em contramão com a história política, social e cultural de Moçambique. E, Venâncio Mondlane, e a CAD, ao representar os interesses de uma parte dos moçambicanos, é óbvio que devem carregar as aspirações, as contradições aos atos moçambicanos no concernente às práticas discursivas do Chega.
DW África: O facto de seguirem ideologias políticas diferentes significa, automaticamente, que não possam dialogar ou até tirar ganhos um do outro?
RC: Nós sabemos que, nem sempre em política, grupos que são extraordinariamente, portanto, opostos, não possam, em momentos particulares da história, encontrar momentos, seja de sinergias, seja de consenso, ou ainda, seja de proveito, um do outro. O que se constata não se tratou nem da aproximação, portanto, programática, nem da aproximação ideológica, e, menos ainda, da aproximação política.
DW África: Um simples encontro com um partido com valores suspeitos é o suficiente para retirar a ética a Venâncio Mondlane e à CAD?
RC: Em nenhuma circunstância tive a oportunidade de ouvir o Venâncio a dizer que, por exemplo, é, de facto, xenófobo. Ou o Venâncio a dizer que, por exemplo, é contra os brancos de Moçambique. Ou dizer que, por exemplo, é contra os mulatos, é contra, por exemplo, as mulheres, coisa parecida. Alguns dos valores radicais que são defendidos, por exemplo, pelo Chega em Portugal e para a extrema direita de forma geral.
O segundo ponto fundamental não se pode perder o foco sobre aquilo que é fundamental quando estamos a analisar um fenómeno político. O Venâncio, apesar de ter e ser uma figura proeminente no contexto de Moçambique, é preciso subentender que, por trás disto também, ele é um homem político que tem interesses estratégicos ou táticos particulares e, em função destes interesses táticos particulares, ele pode, de facto, mobilizar todos os recursos que estiver à sua disposição para poder estruturar a sua ação política. Agora, o que pode ser necessário é o Venâncio tem que vir ao público para explicar e justificar porquê que este encontro foi necessário.
DW África: A CAD e o Venâncio Mondlane têm-se mostrado, perante as críticas, reagindo algumas vezes com grosseria. Como vê o facto?
RC: É profundamente necessário também esclarecermos um aspeto fundamental aqui. O contexto de Moçambique, de forma geral, é determinado e dominado por uma cultura política autoritária em que o discurso crítico ainda não é suficientemente aceite nem pelos partidos políticos e os seus atores e ainda menos, também, pela sociedade civil, que é muito avessa, portanto, à crítica no contexto de Moçambique.
Não tenho, porém, a impressão que a CAD e os seus membros sejam avessos, necessariamente, portanto, à crítica, mas talvez eles compreendam, como bem sabem, que no contexto de Moçambique há uma tentativa, digamos, gigantesca de deslegitimar, desprestigiar e encontrar subterfúgios para colocar em causa não só o Venâncio Mondlane, mas, sobretudo, também, a questão da CAD. Quer dizer, as respostas que são dadas pelos membros da CAD, penso eu, são uma reação à violência e virulência com que têm sido atacados no contexto nacional.