Esquema de corrupção denunciado na venda de habitações sociais em Luanda
28 de setembro de 2011O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, prometeu em 2008 a construção de um milhão de habitações sociais, até ao ano de 2012. A construção desse projeto, nomeado como Nova Centralidade de Kilamba (ou simplesmente Kilamba), ficou a cargo de uma empresa estatal chinesa, CITIC.
E envolvia, inicialmente, a construção de um total de dois mil edifícios residenciais e infra-estruturas de apoio num valor global de 3.5 mil milhões de dólares.
Estamos em 2011, a um ano do final do prazo, e a 11 de Julho foi feita a primeira entrega: 3118 apartamentos sociais (ainda longe do um milhão prometido) em 115 edifícios, cujo valor varia entre os 125 mil e os 200 mil dólares por habitação.
Na sua investigação, o jornalista e ativista angolano, Rafael Marques, aponta que o Kilamba estava inicialmente sob a responsabilidade do organismo público Gabinete de Reconstrução Nacional, afeto à Casa Militar do Presidente da República, e dirigido pelo o general Manuel Vieira Dias “Kopelipa”.
Mas Marques refere que em setembro de 2010 “houve a transferência feita pelo Presidente da República das casas sociais, da responsabilidade do Gabinete de Reconstrução Nacional, para a Sonangol”, a petrolífera estatal presidida por Manuel Vicente.
A força Delta
A Sonangol contratou, por sua vez, a empresa denominada Delta Imobiliária – Sociedade de Promoção, Gestão e Mediação S.A. para a venda dos apartamentos sociais do Kilamba. Esta empresa tem como sócios o próprio Presidente da Sonangol, Manuel Vicente, o general “Kopelipa”, chefe da Casa Militar, e o seu principal conselheiro, o general Leopoldino Fragoso.
Um esquema que constitui um “ato claro de corrupção, à luz da legislação angolana”, defende Rafael Marques. O ativista angolano justifica dizendo que “o general “Kopelipa” era, até há bem pouco tempo, responsável do Gabinete de Reconstrução Nacional que supervisionou a construção da Nova Centralidade do Kilamba”. Nesta manobra negocial, “Manuel Vicente tem dois papéis, por um lado, como o gestor do projecto, pela parte do Estado, e o segundo papel como vendedor das casas para benefício da sua empresa privada”, a Delta Imobiliária.
Habitações sociais a preços “especulativos”
Os valores das habitações sociais que oscilam ente os 125 mil e os 200 mil dólares são “especulativos”, para Rafael Marques. E por isso, o ativista questiona: “Como é que um projeto construído para dar casa aos pobres, às famílias com grandes carências habitacionais e económicas, tem casas que estão ao valor de 125 mil a 200 mil dólares? Qual é o angolano médio que tem este dinheiro?”.
Para Marques, autor do livro “Diamantes de Sangue”, as casas sociais são inacessíveis às classes mais desfavorecidas e média. O que deita por terra o objetivo inicial de proporcionar melhores condições às pessoas com maiores dificuldades, assistindo-se assim a “uma privatização efetiva de um projeto feito com dinheiros do Estado”, acrescenta o ativista angolano.
Ainda que não haja informações sobre o número de habitações sociais vendidas até ao momento, Rafael Marques duvida que se verifique um elevado volume de negócios. Isto porque “as pessoas não têm acesso a crédito bancário, as casas são fora da cidade, muito mal construídas, de muito má qualidade, a preços exorbitantes”, comenta.
O ativista detalha ainda que a dificuldade de acesso ao crédito bancário deve-se ao fato de “os dirigentes [políticos] serem os principais acionistas dos bancos que existem em Angola e só concedem crédito habitacional às pessoas a quem eles querem”.
Casas sociais poderão servir interesses políticos
E por isso, o ativista avança com algumas hipóteses. Para Rafael Marques, “estas casas depois serão distribuídas de forma clientelar àqueles indivíduos que, eventualmente, sendo da oposição ou do próprio partido no poder decidam trocar a sua consciência a troco destas casas”. Uma forma de “corromper os cidadãos”, utilizando os recursos do Estado e de assim os dirigentes “se manterem no poder por muito mais tempo”, concretiza.
Mas Rafael Marques refere outra possibilidade. Uma vez que “hoje se fala muito na possibilidade de Manuel Vicente vir a ser o Presidente de Angola, eventualmente essas casas até poderiam ser distribuídas num esquema para garantir apoios de alguns setores da sociedade” para assim “realizar os seus desideratos políticos”, completa.
Descrença na justiça
Apesar do esquema de corrupção ser denunciado, o ativista não acredita que se faça justiça. Explica que o Presidente angolano “não os pode demitir, nem sequer pode chamá-los à justiça porque a própria manutenção do Presidente no poder depende muitos desses indivíduos: de Manuel Vicente, como principal financeiro do Estado, através da Sonangol, a quem cabe 95% das receitas que o Estado angolano ganha com exportações, por causa do petróleo; e por outro lado, o general “Kopelipa”, que é o responsável pela sua guarda presidencial e pela sua própria segurança”.
De acordo com as investigações levadas a cabo por Rafael Marques, Manuel Vicente, presidente da Sonangol, o general “Kopelipa”, Chefe da Casa Militar e o general Leopoldino Fragoso do Nascimento “criaram um império avaliado em biliões de dólares a partir do nada e ninguém consegue explicar que tipo de negócios esses indivíduos fazem”.
Indignado, o ativista angolano diz que “que não se compreende como é que estes indivíduos, que têm já biliões de dólares na sua conta, continuam a ser tão gananciosos e permitem que um projecto [Nova Centralidade de Kilamba], que devia ser para o benefício do público (…) também seja usado para aumentar a sua riqueza”. Rafael Marques conclui afirmando que se assiste a uma “privatização efectiva do Estado em Angola”.
Autora: Glória Sousa
Edição: António Rocha