Ex-Presidente Guebuza ouvido sobre dívidas escondidas
28 de novembro de 2016O ex-Presidente moçambicano, Armando Guebuza, foi ouvido esta segunda-feira (28.11.) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à dívida pública de Moçambique, instituída após a divulgação de empréstimos não revelados contraídos entre 2013 e 2014 com garantias do seu Governo, sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais.
As dívidas, estimadas em cerca de dois mil milhões de dólares, foram contraídas pelas empresas EMATUM (Empresa Moçambicana de Atum), Moçambique Asset Management e Proíndicus.
Quando estes empréstimos foram revelados, no passado mês de abril, elevaram a dívida pública para cerca de 11 mil milhões de dólares, o correspondente a mais de 70% do Produto Interno Bruto (PIB).
A audição no Parlamento decorreu à porta fechada e, no final, tanto Armando Guebuza como os membros da Comissão de Inquérito não fizeram qualquer declaração à imprensa.
"O facto de ser ouvido é um passo"
Reagindo à audição, João José Uthui, Conselheiro do Grupo moçambicano da Dívida, organização não-governamental que monitoriza os empréstimos ao Estado, afirma que "o facto de [Guebuza] ser ouvido é um passo" com vista ao esclarecimento dos contornos da dívida do país. "Toda a sociedade moçambicana esperava isto, porque as dívidas, que se dizem ocultas, aconteceram durante o mandato do Presidente Armando Guebuza", diz o conselheiro da organização à DW África.
"Sendo a pessoa timoneira do processo de gestão do país durante o tempo em que as coisas aconteceram pensa-se que é um processo normal de audição”, considera José Uthui.
Sabe-se que, anteriormente, a CPI ouviu igualmente o antigo ministro das Finanças, Manuel Chang.
Comissão Parlamentar termina mandatoA Comissão termina o seu mandato esta quarta-feira (30.11.) e espera-se que apresente uma informação à plenária do Parlamento nos próximos dias.
João José Uthui disse que o Grupo moçambicano da Dívida está a trabalhar, neste momento, para explicar ao cidadão o estado atual da dívida e sua natureza.
"Uma das atividades que tem de ser feita é trabalhar no sentido de reconquistar a confiança dos doadores. Nós não queremos ver o país parado por causa disto", frisa.
Ao mesmo tempo, acrescenta João José Uthui, "a sociedade tem de voltar a envolver-se no trabalho e a escolher agora as melhores vias para a diversificação da economia para não passar a depender de um único sector e uma única área, por exemplo, de exploração de minérios, como se advogava”.
Os parceiros internacionais suspenderam a ajuda ao orçamento moçambicano e condicionam a sua retomada assim como o início da renegociação do pagamento da dívida à realização de uma auditoria internacional independente.
De acordo com João José Uthui, o Grupo da Dívida é a favor da realização da auditoria. "A nossa posição é que ela seja feita. São recomendações que não são apenas externas como muita gente possa pensar e advogar. Essa recomendação já partiu de nós aqui”, sublinha.
Auditoria feita pela empresa Kroll
A Procuradoria-Geral da República contratou a empresa internacional Kroll, ligada à consultoria de riscos, para realizar uma auditoria internacional num período máximo de noventa dias às dívidas das três empresas.
Em junho, a Procuradoria admitiu a existência de indícios de "uma violação da legislação orçamental e no que diz respeito à não observância dos limites e dos procedimentos legais” na concessão das garantias pelo Governo. Segundo aquele organismo, estas ações configuram "um ilícito criminal na forma de abuso de cargo ou função".
Recorde-se que o Governo de Moçambique assumiu, a 25 de outubro passado, incapacidade financeira para pagar as próximas prestações dos seus encargos com os credores, defendendo uma reestruturação dos pagamentos e uma nova ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI).