Genocídio na Namíbia: Discórdia sobre devolução de ossadas
6 de agosto de 2018As relações entre a Namíbia e a Alemanha continuam a ser difíceis, apesar de declarações oficiais em contrário. As conversações governamentais sobre o genocídio no início do séc. XX estão paradas e, três anos depois de começarem, ainda não se antevê qualquer pedido de desculpas da Alemanha. A deceção na opinião pública namibiana é grande, embora a Alemanha sublinhe que não é por falta de vontade que as negociações não avançam. "As expetativas da Namíbia são muito superiores àquilo que a Alemanha pode fazer", afirmou o chefe das conversações pelo lado da Alemanha, Ruprecht Polenz, em março.
A devolução dos restos mortais deveria ajudar a superar um pouco o clima de tensão. As partes envolvidas ainda não divulgaram detalhes sobre a entrega, agendada para o final de agosto, mas, ao que a DW apurou de fontes da sociedade civil, trata-se de restos mortais de vítimas do genocídio dos herero e nama. Alguns estarão no hospital Charité, em Berlim. Para já, o hospital não se quis pronunciar.
Imprensa: Governo namibiano sem dinheiro para viagens
Como parte das cerimónias de devolução dos restos mortais, será realizada uma missa em memória das vítimas, na capital alemã, organizada pela Igreja Evangélica. Já foram enviados os primeiros convites, a que a DW também teve acesso. No ano passado, a Igreja Evangélica fez um pedido público de desculpas. Na altura do genocídio, tinham sido enviados missionários evangélicos para o então "Sudoeste Africano Alemão" - alguns estavam contra as atrocidades cometidas pelos soldados alemães, mas outros apoiaram os atos. A missa seria, portanto, um gesto de reconciliação.
"Queremos uma devolução digna dos restos mortais à Namíbia", sublinha, por sua vez, o Ministério alemão dos Negócios Estrangeiros, contactado pela DW. Mas a discórdia sobre o processo de reconciliação está a ensombrar a cerimónia agendada para Berlim. Segundo o semanário "Windhoek Observer", o Governo namibiano não tem dinheiro para enviar à Alemanha uma delegação maior. Berlim disponibilizou-se para ajudar a financiar a viagem de representantes de "comunidades particularmente afetadas [e] com isso sublinhar a importância do seu papel", segundo o Governo. Em causa estariam as viagens de 25 pessoas, de acordo com o "Windhoek Observer". Mas várias personalidades que representam os herero e nama não estão na lista de convidados. Por exemplo, o líder da etnia herero Vekuii Rukoro.
Lista polémica
Rukoro é um crítico feroz das conversações entre a Namíbia e a Alemanha e um dos impulsionadores de um processo judicial em Nova Iorque, para pedir compensações ao Governo alemão pelo genocídio.
"O meu nome foi afastado por ter arrastado a Alemanha para tribunal", disse Rukoro, citado pela agência noticiosa DPA.
O nome da ativista nama Ida Hoffmann também não constará da lista de convidados, uma informação que ainda não foi confirmada oficialmente.
Questionado pela DW, o Ministério alemão dos Negócios Estrangeiros não comentou a lista. Acredita-se, porém, que Berlim estará a tentar evitar protestos como os de 2011, quando foram devolvidos outros restos mortais. Durante um discurso da secretária de Estado Cornelia Pieper, vários nama e herero presentes pediram em voz alta um pedido de desculpas da Alemanha pelo genocídio na Namíbia. Pieper deixou a cerimónia logo a seguir.
Aliados de Rukoro e Hoffmann criticam a atitude alemã: "Isto não tem nada a ver com reconciliação. É obrigação da Alemanha devolver estas ossadas a casa", afirma Israel Kanautjike, um representante dos herero em Berlim.
"O antigo poder colonial, a Alemanha, trouxe para aqui as ossadas e agora elas têm de ser devolvidas. Ou seja, [o Governo alemão] também tem de pagar as viagens da delegação [namibiana]". O facto de Rukoro e outros não constarem da lista de convidados é "chantagem", acrescenta. Mas também é possível que alguns representantes dos herero e nama paguem a viagem do seu próprio bolso - e que voltem a protestar.