Políticos guineenses "brincam com o desespero do povo"
10 de dezembro de 2018A crise guineense é caraterizada pela incerteza e profundas divergências entre os atores políticos. O país está sem aulas nas escolas públicas desde setembro, o Ministério do Interior está sem o titular da pasta, o recenseamento eleitoral foi suspenso e as eleições legislativas ainda sem data marcada para a sua realização. Há mais de duas semanas que grupos de estudantes das escolas públicas se barricaram-se em frente do Ministério da Educação nacional exigindo a reabertura das aulas.
Nesta segunda-feira (10.12.) esteve agendada a assinatura de um memorando de entendimento entre o Governo e os três sindicatos dos professores com vista a pôr termo à paralisação nas escolas do Estado, o que não aconteceu porque o sindicato alegou que uma das sedes foi assaltada por desconhecidos. Para o presidente da Rede Nacional das Associações Juvenis (RENAJ), Guerri Gomes Lopes a situação não é só muito lamentável como também complicada.
Sindicado deve ceder um pouco
"O Governo é responsável e tem que resolver este problema, contudo, os sindicatos devem ponderar, fazer o máximo para compreender a conjuntura. A dívida é enorme porque os professores foram sempre marginalizados, mas estamos numa situação muito complicada... vamos para eleições e temos um Governo (de consenso). Houve já uma proposta por parte do Governo, bem como sua aceitação pelos sindicatos, restava apenas a assinatura deste pacto hoje (10.12.), mas infelizmente não aconteceu com o justificativo de que a sede do sindicato foi assaltada”, disse à DW África o líder juvenil.
De acordo com Guerri, o facto de a sede ter sido assaltada não justificava a ausência do sindicato na assinatura do acordo que visa acabar com a greve nas escolas do Estado, tendo afirmado que "exigimos do Governo que faça um esforço e agora também exigimos aos sindicatos que façam ainda mais”.
Para o analista político, Dautarin da Costa, o problema da Educação na Guiné-Bissau tem a ver com a politização do setor que afeta todos as áreas de atividade.
Educação novo campo de batalha política
"Também a Educação agora é arena de disputa política e não propriamente uma arena que visa a qualidade e a emancipação dos jovens pela via da educação. O que está a acontecer aqui é que na verdade estão a brincar com o fogo e não só amputar o nosso futuro como também estamos a semear situações de confusão social para os quais não teremos capacidade de resposta institucional se continuarmos neste registo” considera o também sociólogo guineense.
Da educação para a política o país caminha de mal a pior. O analista, não tem dúvidas que existem segmentos políticos que não querem a realização de eleições e que estão a instrumentalizar o aparelho judiciário no sentido de impedir o pleito eleitoral. Dautarin refere-se ao Ministério Público que suspendeu há uma semana o recenseamento eleitoral por um período indeterminado.
"O que estamos a ver é provavelmente uma nova forma de golpe de Estado. Porque se instrumentalizamos as instituições do Estado no sentido de impedir aquilo que deve ser a obrigação do Estado, que é realização de eleições, estamos a assistir uma amputação da democracia. E quando fazemos isso, quer dizer, que estamos a interromper a normalidade das instituições que se enquadra perfeitamente na definição de um golpe de Estado”, declara Dautarin da Costa.
CNE preocupada com suspensão de recenseamento
A Comissão Nacional de Eleições manifestou esta segunda-feira (10.12.) preocupação com a decisão do Ministério Público de suspender o recenseamento de eleitores no país e advertiu que as consequências podem pôr em causa o próprio processo eleitoral. No comunicado, a CNE sublinha que o "sucesso de uma eleição depende do seu caráter legítimo que se consubstancia no estrito cumprimento dos procedimentos legais” e que o recenseamento eleitoral está regulado, incluindo as matérias relativas ao contencioso e infrações.
À DW África, Dautarin da Costa alega que neste momento, se assiste a uma tentativa de subversão nas instituições no sentido de impedir que as pessoas votem e que os precedentes democráticos até então criados possam ter continuidade, ponto em causa a existência do Estado.
Também, o líder juvenil, Guerri Gomes descreve um cenário preocupante em que não se sabe para onde caminha o país e pede que a comunidade internacional dê uma atenção especial à situação de desespero que se vive na Guiné-Bissau.
"O país está numa situação de crise em que ninguém sabe para onde vamos. Os sonhos dos cidadãos estão cada vez mais frustrados. Com a suspensão do processo de recenseamento estamos agora a viver uma situação muito preocupante. Por isso, apelamos à comunidade internacional que dedique uma atenção especial a este assunto. Não podemos ir para as eleições com posições extremadas”, disse o líder da RENAJ.
Funcionários públicos sem salários para natal
Entretanto, a União Nacional dos Trabalhadores da Guiné-Bissau UNTG, que reuniu a sua direção na tarde desta segunda-feira, acusou o Governo de esbanjar os poucos recursos financeiros do país em viagens enquanto os funcionários correm o risco de não receber os seus salários nesta quadra festiva. Júlio Mendonça, secretário-geral da UNTG disse à DW África que se os salários não forem pagos aos trabalhadores do Estado nos próximos dez dias, o país ficará totalmente paralisado com greves e protestos de rua.
"Não é justo o Governo não dignou a pagar os salários, o que é lamentável já que estamos na quadra festiva. Os trabalhadores também têm o direito de pelo menos manifestar com os familiares aquilo que ganham, que não é grande coisa, mas já dá para ajudar em casa. Essa situação só traz constrangimentos enormes para os servidores públicos”, disse Júlio Mendonça ao acrescentar que o executivo tem gasto milhões de francos cfa em viagens.
Recorde-se que, as eleições legislativas na Guiné-Bissau estavam inicialmente marcadas para dia 18 de novembro, mas dificuldades na preparação do processo, nomeadamente atrasos no recenseamento eleitoral, levaram ao adiamento do escrutínio, ainda sem data definida.