Braço-de-ferro entre professores e Governo guineense
19 de novembro de 2018Os três sindicatos de professores das escolas públicas da Guiné-Bissau, em greve há quase 50 dias, acusam o primeiro-ministro, Aristides Gomes, de não ter sensibilidade e flexibilidade para os problemas do país, e de manter uma postura arrogante e face às greves recorrentes dos docentes, por enquanto sem fim à vista.
A polémica em torno da resolução da paralisia nas escolas do Estado assume a cada dia que passa proporções preocupantes, com acusações em tom de insultos. As últimas declarações do primeiro-ministro, Aristides Gomes, em que falou de "greves selvagens” de 20 em 20 dias até fim do ano, praticadas pelos professores e que põem em causa o nível dos estudantes e a competência dos professores, acabaram por aquecer o debate público em torno do setor educativo.
"Estas greves não só põem em causa o conhecimento dos alunos, mas também dos professores. Um professor que não exerceu durante um ano, será que no ano seguinte terá condições para lecionar? Mesmo nos países com estabilidade no setor da Educação fazem-se exames aos professores todos os anos para saber se estão aptos a continuar a lecionar. Mas se o professor passar um ou dois anos sem dar aulas por causa de greves selvagens, será que ainda estará em condições de contribuir para a formação de jovens capazes de enfrentar as concorrências dos que estudaram lá fora?” Questionou no último fim-de-semana, o chefe de Governo dirigindo-se aos jovens.
Polémica instalada
As palavras do primeiro-ministro não caíram bem no seio dos professores que acusam Aristides Gomes de ter má conduta e de insultar regularmente os professores ao invés de resolver os seus problemas, como disse em entrevista à DW África Laureano Pereira, presidente do Sindicato Democrático dos Professores. De acordo com o presidente do SINDEPROF, os sucessivos Governos fazem promessas aos professores que nunca são cumpridas alegando sempre que o momento não é propício para a greve nas escolas do Estado.
"Temos que continuar a nossa luta apesar de termos um primeiro-ministro que anda a insultar os professores, chamando-lhes de selvagens. É um primeiro-ministro insensível, inflexível, arrogante e prepotente para com as pessoas que trabalham na área da educação. Como é que se diz que o momento não é ideal para a greve, quando são só os professores que não recebem? Os ministros recebem os seus salários todos os meses e os respetivos subsídios. Os governantes ganham milhões e os seus filhos não estudam nas escolas públicas. E ainda dizem que o momento não é propício?”, questiona Laureano Pereira.
Pagamento parcial das dívidas
Na entrevista à DW África, Laureano Pereira questionou ainda a coerência e transparência do primeiro-ministro que acumula a chefia do executivo com a pasta das finanças. O sindicalista acusa Aristides Gomes de mandar suspender o pagamento das dívidas para com os professores, na mesma altura em que obrigou o Estado guineense a cumprir outras obrigações.
"O primeiro-ministro recebeu o que lhe era devido de 2006 até 2018 enquanto mandou suspender o pagamento de outras dívidas. Onde está a coerência e a transferência deste governante? Isto não pode ser. O que fazemos é a política laboral e não a política partidária... que fique claro que não estamos a reboque de ninguém”, disse o sindicalista em tom de revolta.
Os três sindicatos já apresentaram ao primeiro-ministro um caderno reivindicativo de 17 pontos, com destaque para implementação do Estatuto da Carreira Docente, um instrumento criado pelo Governo, em 2011, mas que nunca foi aplicado na realidade, segundo os líderes sindicais que agora exigem o seu cumprimento para além do pagamento, em retroativo, de todos os direitos inerentes.
Alunos não têm nada para fazer em casa
Entretanto, quem sai prejudicado com o braço-de-ferro entre o Governo e os sindicatos dos professores são os alunos. Associação dos pais e encarregados de educação, pela voz de Abudu Indjai, fala em desespero, silêncio, e falta de uma solução para situação:
"É um desespero total que afeta não só os alunos, mas também os pais e encarregados de educação. Todo orgulho de um pai é ter um filho que se ocupe de alguma coisa, que vá às aulas, que tenha um percurso normal, mas quando o filho está parado significa que o pai fica comprometido e os alunos em desespero. Cria uma situação de filhos ficarem sentados nas ruas sem absolutamente nada para fazer”, lamenta.
Os sindicatos ainda exigem do Governo o pagamento de vários meses de salários em atraso aos professores contratados e aqueles que entraram recentemente para o quadro do Ministério da Educação, os chamados novos ingressos, sob pena da greve ir até ao final do mês com possibilidade de novas paralisações.