Bissau: "Onde está o medo de fazer a recontagem dos votos?"
8 de setembro de 2020O Supremo Tribunal da Justiça (STJ) emitiu na segunda-feira (07.09) um despacho no qual considera improcedente o recurso de contencioso eleitoral por alegada fraude eleitoral apresentado pelo candidato do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira. Apesar do processo ter corrido na Justiça até agora, o outro candidato presidencial, Umaro Sissoco Embaló, tomou posse em fevereiro como Presidente da Guiné-Bissau, sem esperar a decisão daquela instância judicial.
Domingos Simões Pereira, derrotado na segunda volta das presidenciais na Guiné-Bissau, salienta que o STJ "deverá velar" para que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) cumpra a sua decisão e publique os resultados definitivos das eleições presidenciais, porque "só agora está legalmente habilitada a fazê-lo, para que depois se possa dar posse ao Presidente eleito", refere o candidato apoiado pela PAIGC em comunicado enviado às redações.
"Por outro lado, esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça implica igualmente a nulidade de todos os atos praticados anteriormente por quem não dispunha dos poderes para a demissão do Governo constitucional do PAIGC", defende o também presidente do partido.
À DW África, Carlos Pinto Pereira, o advogado de Domingos Simões Pereira, diz que o Comité de Candidatura vai respeitar a decisão "irrecorrível" da instância máxima do sistema judiciário guineense, mas considera que a justiça não foi feita.
DW África: Como é que o coletivo de advogados de defesa da candidatura de Domingos Simões Pereira reage ao acórdão do STJ?
Carlos Pinto Pereira (CPP): Com alguma tristeza, porque na verdade esperávamos tudo menos isto. Em primeiro lugar, esperávamos que o Supremo [Tribunal de Justiça] tivesse a coragem de afirmar que não existem condições para se pronunciar em consciência e liberdade. Todos sabemos o que se passa em Bissau. Existe uma situação, de facto, de pressão e coação moral e até física sobre as pessoas. Do nosso ponto de vista, a primeira questão que deveria ser levantada era ver se há condições ou não para deliberar. Vimos que apenas um juiz levanta esse problema, quando nós sabemos que vários outros juízes estiveram refugiados, escondidos, fugindo efetivamente da pressão e ameaças que sobre eles eram exercidas. De repente, essas ameaças desaparecem, esse medo desaparece, e as pessoas reganham a sua liberdade, com a maior das tranquilidades, como se nada acontecesse. Alguém que há dois ou três meses andava fugido e pediu proteção, hoje declara que não precisa de proteção e que está em condições de liberdade.
A nossa tristeza tem a ver com o facto de as pessoas terem alguma falta de hombridade em assumir a sua responsabilidade.
DW África: Mas o acórdão responde às questões prévias que o STJ tinha exigido à CNE anteriormente?
CPP: Não, o acórdão é uma vergonha, porque recusa aquilo que foi dito anteriormente. Quando o mesmo STJ pede à CNE que faça um novo apuramento nacional, ab initio, não está a dizer a mesma coisa que disse ontem. Mas afinal já tinham esta informação e não houve nada de novo, pelo contrário, até houve um agravar da situação, porque nessa altura em que o STJ se pronunciou nós ainda não tínhamos a certeza que a CNE não dispunha de apuramentos regionais. Em 10 apuramentos, dispunha apenas de dois. O que é que se alterou afinal? O que se passa para o STJ ter mudado tão rapidamente de posição, tendo passado de 8 para 80 ou de 80 para 8? Há algo de muito estranho.
DW África: A candidatura vai recorrer desta decisão?
CPP: Esta decisão não tem recurso e nós, naturalmente, porque somos democratas, saberemos como interpretá-la e assumi-la. A decisão é irrecorrível. Agora, não faz justiça ao povo da Guiné-Bissau, que queria apenas saber quem ganhou as eleições. Aquilo que nós fomos pedir ao STJ é tão simples quanto isto: façam a recontagem dos votos. Se tivéssemos a confiança de que havia um vencedor, onde está o medo de fazer a recontagem dos votos? Não é a primeira vez. Malam Bacai Sanhá pediu uma recontagem e ela foi feita. Não estamos a pedir nada que não tenha sido pedido anteriormente.
DW África: Na sua leitura, acabou o contencioso eleitoral com o acórdão do STJ?
CPP: Não é na minha leitura, é a leitura da lei. Nós, porque respeitamos a lei, dizemos que acabou o contencioso eleitoral, mas todos sabemos as limitações que existem, sobretudo num país com as limitações da Guiné-Bissau, em que muitas vezes manda a barriga, como o povo diz.