"Ter cancro da mama não é o fim da vida", frisa médica
13 de março de 2022Maria da Luz Gomes, natural da Ilha de São Vicente, Cabo Verde, está há três anos em Portugal a tratar um cancro de ovário. Ainda no arquipélago, a educadora de infância percebeu que algo não estava bem no seu corpo, depois de receber os resultados de uma ecografia.
"A médica disse-me que tinha de ser observada com urgência por um ginecologista. Depois de fazer todos os exames, foi-me dito que tinha de ser evacuada", conta.
Maria da Luz lembra que "foi um desastre" ouvir aquela notícia. Teve de abandonar o trabalho e a família (o marido, a filha e o neto) para rumar a Portugal.
"Não é fácil deixar o nosso país, toda a nossa vida, e vir para aqui em busca de uma solução", admite, recordando os desafios que teve de enfrentar depois, face à nova realidade, tendo em conta que Cabo Verde não reúne todas as condições para o tratamento do cancro.
Quando chegou a Portugal, recebeu todo o apoio necessário, afirma. Foi acolhida em casa de um tio, de onde viria a sair para passar a viver em casa de uma senhora, também cabo-verdiana, com quem mantém, há mais de dois anos, uma relação de amizade.
Frontalidade e otimismo
Com o subsídio que recebe de Cabo Verde vai sobrevivendo e cobrindo as suas despesas. Mas, hoje, ainda não pode dizer que a vitória está ganha. "Fiz uma quimioterapia que me provocou alergia. Fui internada e operada de urgência", conta, reconhecendo que ainda tem pela frente "um caminho que ainda não chegou ao fim".
Até ao momento, já fez três sessões de quimioterapia. E, nesta batalha para vencer o cancro, tem dias bons e outros em que se sente em baixo. Maria da Luz encara a vida com frontalidade e agora com mais otimismo.
"Um dia de cada vez. Com pensamento positivo ultrapassamos várias barreiras", acredita.
Dentro do possível, tenta ajudar, de diversas formas, outras mulheres em Cabo Verde. Mas, além disso, integrou a Associação Amigas do Peito, onde sente o calor e afeto de outras mulheres também vítimas de cancro.
"Dou graças a essa Associação porque, na altura, quando cheguei, estava em baixo".Conta que, através da associação, recebeu a indispensável ajuda de psicólogos.
"Graças a Deus, está tudo a correr bem e espero que continue assim para que possa voltar ao meu país", afirma sorridente e esperançosa.
"As lágrimas começaram a cair"
Fátima Duarte, também cabo-verdiana, está há nove anos a enfrentar a luta contra o cancro da mama. A então dirigente da Assembleia Nacional recua no tempo, até Cabo Verde, para recordar os episódios que assinalaram a fase mais difícil da sua vida quando soube que estava doente.
"Estava a tomar um duche e senti que tinha um caroço no seio", lembra, indicando com a mão o lado esquerdo do seu peito. "Vi que era qualquer coisa anormal. Vesti-me e fui imediatamente ao médico", conta a ex-diretora dos Recursos Humanos na Administração Pública.
Fez todos os exames e chegaram os resultados indesejados. "As lágrimas começaram a cair", confessa. Diante dos factos, inquiriu o médico sobre qual seria o próximo passo. A resposta foi imediata pela urgência da situação.
Fátima Duarte teve de ser evacuada através de uma junta médica. O destino seria Lisboa, que já conhecia em contexto de férias ou em missão de serviço.
Foi submetida à primeira consulta na Maternidade Alfredo da Costa, onde, através de uma amiga médica cabo-verdiana, encontrou vaga para o seu tratamento. Fez oito sessões de quimioterapia e 30 de radioterapia.
"Na quinta sessão da quimioterapia passei bastante mal. Eu já não tinha defesas. O meu sistema imunitário estava bastante em baixo".
Encarou essa etapa com coragem e muita determinação, crente que iria vencer a luta contra a doença. Com esse espírito e confiança nos médicos, aprendeu a lidar com ela. "Era um tipo de cancro bastante agressivo, mas venci", desabafa. É esta a mensagem de coragem que deixa a todas as mulheres.
Para Duarte, foi igualmente importante o apoio e o carinho da Associação Amigas do Peito, que a ajudou a transferir o seu processo para o Hospital de Santa Maria. "Encontrei vários doentes vindos dos PALOP e começamos a fazer voluntariado. E isso nos ajudou bastante". Hoje, com um rasgado sorriso de alegria à mistura, conta que já se sente mais aliviada.
Perguntas em busca de respostas
Foram as inúmeras perguntas e histórias de vida destas mulheres batalhadoras, entre tantas outras portuguesas e africanas, que estimularam Emília Vieira a escrever o livro "O que faço? Tenho cancro da mama”, apresentado na passada sexta-feira (11.03), no Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa.
A médica cirurgiã portuguesa, que trabalha no Hospital de Santa Maria, está ligada à doença desde 1993 e tem acompanhado muitas pacientes dos países africanos de língua portuguesa - na sua maioria de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe – que são evacuadas para receber tratamento médico em Portugal.
Procurou com o livro dar respostas às muitas perguntas e inquietações com que todos os dias se vê confrontada relativamente a uma doença que afeta milhões de mulheres em todo o mundo, mas também homens.
Emília Vieira, que também dirige a Associação Amigas do Peito, afirma que é sempre um choque ouvir dizer que se tem um cancro, seja ele qual for. "Tem que se curar" é a resposta imediata que dá à pergunta "o que faço?".
Acreditar na cura
Atualmente, com os avanços da ciência, "temos grande aporte de fármacos e grande variedade de técnicas ao nosso alcance que possibilitam que, pelo menos, a nível do cancro de mama, haja grande probabilidade de melhoria de prognóstico e de hipóteses de cura", explica a médica.
Tais condições para uma resposta imediata e adequada ainda não existem nos PALOP, reconhece a médica, que lamenta chegarem a Portugal pacientes em fase avançada da doença, muitas vezes por estarem à espera do visto.
"Por vezes, há a negação da doença. Por vezes, também não há um diagnóstico atempado", acrescenta.
Emília Vieira pede às entidades competentes maior celeridade na concessão dos vistos de entrada em Portugal. "É um apelo que eu estou a fazer", insiste.
A associação fundou, há cerca de três anos, uma casa de acolhimento que, para já, tem capacidade para três a cinco mulheres.
Na mensagem que deixa a todas as mulheres afirma que "ter cancro da mama não é o fim da vida", apesar de mudar "todas as prioridades". Foi o que aconteceu com a cabo-verdiana Sandra Santos, um dos casos de sucesso no tratamento deste tipo de cancro.
Esta paciente de Emília Vieira, convidada para a apresentação do livro, voltou recentemente a Portugal para vigilância médica. Vigilância esta que, como a própria reconhece, "deve ser constante".