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Histórias de Fuga em Cabo Delgado: "As perdas"

Delfim Anacleto
4 de janeiro de 2023

No terceiro episódio da série "Histórias de Fuga", a DW África conta o caso de uma anciã que se viu forçada a abandonar tudo na sua terra de origem, por causa dos ataques terroristas em Cabo Delgado.

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Mosambik | Unruhen in der Provinz Cabo Delgado
Foto: Camille Laffont/AFP/Getty Images

O terrorismo em Cabo Delgado já fez das suas. Neste terceiro episódio da série "Histórias de Fuga", a DW África conta a história de uma anciã, deslocada interna, que se viu forçada a abandonar tudo na sua terra de origem, por causa dos ataques terroristas na província moçambicana de Cabo Delgado.

O que os deslocados do terrorismo mais desejam é preservar a vida, sem se importarem com as perdas.

Atija A. vivia no distrito de Mocímboa da Praia. E ao fugir, para salvar a vida, tudo o que o que havia conseguido construir ao longo dos anos ficou perdido. 

"Os bandidos quando entraram na nossa zona [em Sangui] decapitaram muita gente. Das pessoas que foram mortas, não há familiares diretos, mas eram praticamente famílias, porque havia vizinhos que morreram nesse ataque", conta triste.

Atija A. tem 77 anos de idade. Vive no bairro de Mahate, na cidade de Pemba, mas é oriunda do distrito de Mocímboa da Praia, de onde fugiu no início de 2020, devido à insegurança na região. Na altura, a única alternativa à morte era fugir. Não interessava para onde. O mais importante era estar bem longe da terra que a viu nascer e crescer, para preservar a vida e a da sua família.

"Tive muito medo e não quis mais ficar em Mocímboa. Saí da aldeia, passei pela sede distrital e consegui boleia de camião que vinha a Pemba." 

Mosambik Manica | Binnenvertriebene
A única alternativa à morte é fugir e deixar tudo para trás.Foto: Bermardo Jequete/DW

A anciã diz que perdeu tudo o que tinha. A casa que tinha construído, os instrumentos agrícolas, as plantações de que lhe davam o sustento.

Hoje vive numa residência de parentes na capital provincial de Cabo Delgado. Apesar de estar em segurança, enfrenta sérios problemas de sobrevivência. Com um agregado familiar composto por cerca de 20 membros, entre deslocados e nativos, não há comida que chegue para todos.

"Para viver agora, é muito difícil, por causa das condições em que nos encontramos. Mas devido ao esforço do dono da casa, que tem recebido um cheque [apoio alimentar], sobrevivemos com esse pouco. Antes havia na família duas pessoas a receberem apoio com cheque. Desde que deixámos de beneficiar-nos desse apoio, a situação tornou-se complexa." 

Mosambik | Unruhen in der Provinz Cabo Delgado
O retorno das populações está em curso e as autoridades têm estado a criar condições.Foto: Camille Laffont/AFP/Getty Images

Começar tudo de novo?

A situação de segurança em Cabo Delgado conheceu no último ano uma relativa estabilidade. Moçambique recebeu apoio militar do Ruanda e mais tarde dos países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que opera em Cabo Delgado numa missão denominada SAMIM. Foram libertados os principais redutos dos terroristas, particularmente no distrito de Mocímboa da Praia.

O retorno das populações está em curso e as autoridades têm estado a criar condições e a orientar os funcionários a regressarem aos locais de trabalho.

Mas Atija A. não pensa regressar, para já.

"O meu filho voltou recentemente para lá, para a nossa casa, para ver como os nossos pertences ficaram. Não há nada. [Os terroristas] destruíram tudo: Até coqueiros queimaram. Tínhamos um pomar, mas tudo foi queimado..."

Perdeu tudo, mas o coração continua a bater de saudade pelo regresso à terra onde nasceu, diz Atija A. Embora isso signifique começar tudo de novo. 

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