Histórias de Fuga em Cabo Delgado: "Uma nova vida"
6 de janeiro de 2023Neste 5º episódio da série "Histórias de Fuga" da DW África, contamos as histórias de dois homens que conseguiram estabelecer-se nas zonas de acolhimento e que dizem que, pelo menos para já, voltar a Mocímboa da Praia, está fora de questão.
O recomeço é a filosofia de vida dos deslocados em Cabo Delgado.
Tani e Ussene Amade são duas pessoas que não se conhecem, mas partilham histórias em comum: ambos fugiram da violência no distrito de Mocímboa da Praia, na província moçambicana de Cabo Delgado.
E por que a vida é feita de recomeços, hoje, Tani Dastan e Ussene Amade têm uma nova vida, longe da terra onde nasceram, mas com novas oportunidades.
Tani Dastan conseguiu superar vários obstáculos que se atravessaram no seu caminho. É um deslocado de Mocímboa da Praia, norte da província de Cabo Delgado, e vive agora no centro de reassentamento de Lusaka, que foi aberto no distrito de Montepuez, na zona sul.
"Lá em Mocímboa [da Praia] eu tinha os meus bens, que me davam de comer e para sustentar a minha família. Mas quando surgiu essa guerra perdi tudo", Tani Dastan, deslocado interno.
Tani era um comerciante de mariscos, mas também diz que fazia outros biscates, relacionados com a projeção de filmes e jogos de futebol em Mocímboa da Praia. Atividades interrompidas precocemente com a escalada dos ataques terroristas na região.
"Eu às vezes vivia nas ilhas. Tinha um projeto de [projeção] de filmes num clube bem organizado. Quando vieram estes gajos [os terroristas], queimaram e roubaram. Fiquei sem coisa nenhuma", revelou.
O recomeço
Apesar destas perdas, Tani Dastan agradece pelo fato de ter conseguido escapar com vida na companhia da esposa, dois filhos e um parente que tem problemas de visão. O destino da família foi o posto administrativo de Mirate, em Montepuez, onde diz ter sido bem acolhido. Foi-lhe inclusive oferecido um terreno para erguer um abrigo e cultivar produtos alimentares para sustentar o seu agregado familiar.
Hoje, Tani trabalha como animador num projeto de disseminação de técnicas agrárias da organização não-governamental Olipa Odes.
"Vivo bem com a minha família e eles [Olipa Odes] estão a ensinar-me muita coisa sobre plantas, como podemos produzir mais. Eu estou a fazer e a ganhar mais. Consigo sustentar a minha família. Como o Programa Alimentar Mundial [oferece donativos] mês sim, mês não, no mês em que não recebemos [apoio], aquilo pouco que ganho na Olipa dá para alimentar a minha família", contou.
Tani Dastan considera que já tem uma vida estável, e enquanto for assim, não pensa em voltar para Mocímboa da Praia.
"Considero a OLIPA como algo que me ajudou. Se eles me protegerem e [permitirem que eu] trabalhe com eles, e eu tiver rendimento, prefiro viver para sempre em Mirate e mais nada", garantiu.
Mais oportunidades
Outra história, que apesar de ter iniciado de forma trágica, vem conhecendo dias melhores, é a do jovem Ussene Amade, também natural de Mocímboa da Praia. Fugiu da violência e estabeleceu-se no distrito de Metuge, uma das regiões que mais vítimas de terrorismo acolheu desde o início dos ataques dos insurgentes em Cabo Delgado, em 2017.
O Governo apoiou Ussene Amade com ferramentas de carpintaria, e ele montou um negócio.
"De momento estou a viver bem porque recebi um kit e [com] aquele kit já comecei a empregar alguns jovens, cerca de 10 jovens. Já tenho emprego, estou a fazer sofás, camas, estantes", revelou Amade.
Ussene Amade sonha com um futuro sem guerra em Cabo Delgado e acredita que isso passa pela oferta de oportunidades principalmente aos jovens desempregados. Por isso, diz-se aberto para ensinar o ofício de carpinteiro a mais pessoas.
"Estou a tentar [ajudar os outros], para conseguir empregar as pessoas, impedindo que vão para o mato, levando uma arma para matar os outros e conseguir alguma coisa. Aprender é muito importante", concluiu Ussene Amade.
Os deslocados de Cabo Delgado agarram cada oportunidade de recomeço para honrar e testemunhar o valor da paz. Aqui o recomeço acontece todo dia.