Há risco de aumento da contestação social na África do Sul
12 de dezembro de 2013Ao acordar sem Mandela, o país e o mundo ficaram entregues à questão: o que será da África do Sul sem o ícone da reconciliação e do entendimento político?
Muitos sul-africanos temem que o futuro do país passe pelo rompimento dos ideais de Mandela e do seu partido, o Congresso Nacional Africano também conhecido pela sigla ANC.
Na terça-feira (10.10.), enquanto o mundo se despedia de Madiba no Estádio Soccer City, em Joanesburgo, ao lado de 91 figuras de Estado de todo o mundo, ouviam-se apupos e vaias a Jacob Zuma, atual Presidente da África do Sul.
André Thomashausen, Professor de Direito Internacional e especialista político, explica a atitude dos sul-africanos: "A multidão de repente se lembrou que Zuma representa extamente o oposto de tudo o que Nelson Mandela simboliza. O Zuma tem uma paixão pela grandeza, gosta de se fazer transportar em colunas enormes de carros e motas, tudo o que Mandela rejeitava e considerava ostensivo. Dai essa reação de assobiar ao Jacob Zuma, que obviamente não ficou nada feliz."
Consequências das vaias para Zuma
E as vaias podem trazer consequências negativas ao Presidente sul-africano, como argumenta o Professor: "Porque esta manifestação vai fazer lembrar aos colegas do partido que o Presidente Zuma talvez não seja o melhor candidato para as próximas eleições."
Nesta ótica, André Thomashausen acredita que o ANC perca votos nas próximas eleições para a esquerda, principalmente para o partido de Julius Malema Economic Freedom Fighters (EFF), embora seja improvável que perca o sufrágio de 2014.
Nesse sentido, salienta que é necessária uma renovação política: "É absolutamente necessário que a política sul-africana entre numa fase de retomada dos ideiais de 1994, os ideiais de Mandela, da justiça social, da educação para todos. Aliás, havia a famosa carta do ANC, que está muito esquecida, que prometia coisas essenciais como o livre acesso à educação, à saúde..."
No ano da morte de Mandela e quase 20 anos depois da queda do apartheid, a África do Sul reúne alguns dos piores recordes do mundo: a mais alta taxa de homicídios per capita, a mais elevada taxa de doentes infetados com o HIV/Sida, o mais elevado número de processos de corrupção.
Escalada de tensões
O abismo galopante entre ricos e pobres é também uma realidade na África do Sul.
André Thomashausen fala no risco de mais contestação social: "É quase ineviitável, porque existem situações dramáticas em que centenas de milhares de pessoas estão carentes, não têm abastecimento de água potável, não têm esgoto, nem acesso à eletricidade, à educação. Existem escolas, mas essas escolas estão sem livros, sem professores..."
Com o aumento da tensão social e da contestação pública corre-se igualmente o risco de haver mais casos como o dos 34 mineiros de Marikana, fuzilados pela polícia durante um prostesto em que pediam um aumento salarial.
O especialista não acredita que haja risco para os investimentos estrangeiros no país, embora algumas leis, nomeadamente a do Black Economic Empowerment que exige a presença de investidores africanos de origem negra, possam desencorajar algumas empresas devido à burocracia do processo.
Quanto à vaga de criminalidade, o especialista considera que não existe um risco acrescido, embora a vaga de crime atinja cada vez mais a classe mais rica, sendo que a população branca de África do Sul seja tendencialmente mais abastada que a negra. A democracia resistirá
Porém, André Thomashausen afasta a hipótese do cenário de um falhanço democrático no país: "As instituições democráticas são fortes, a sociedade sul-africana é bastante jovem e aprecia o valor da liberdade, da democracia e também da liberdade económica e do mercado livre."
Por isso o Professor acredita que, apesar de tudo, a população ainda valoriza as condições do seu país: "Estas demonstrações de luto, mas também de celebração nestes dois dias de falecimento de Nelson Mandela demontram a convicção dos sul-africanos de que vale mais a pena viver nas condições atuais na África do Sul, de um país já desenvolvido, com a sua própria indústria, do que por exemplo, nas condições do Zimbabué onde as luzes se apagaram há uns anos... e continuam apagadas."