Como irá Nyusi vencer desafios da Defesa no segundo mandato?
14 de janeiro de 2020Do seu primeiro mandato, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi carrega vários fardos: os ataques armados no norte e no centro do país. Os ataques em Cabo Delgado, que duram já há mais de dois anos, vão se tornado cada vez mais sofisticados, expondo de forma escancarada as fragilidades das Forças de Defesa e Segurança. Um exemplo disso são as fotos de insurgentes em carros da Polícia da República de Moçambique (PRM), cuja autenticidade foi confirmada pela própria instituição.
E, no centro, não é diferente. O exército não consegue deter as ações da autodenominada "Junta Militar" da RENAMO que vai matando cidadãos todas as semanas. O agravamento dos ataques desestabiliza a economia e alimenta a percepção da insignificância do Estado, mostrando claramente que a Defesa e Segurança representa um dos maiores desafios do segundo mandato de Nyusi.
Desafios
Como irá o Presidente da República sair-se dessa a partir de 15 de janeiro? Calton Cadeado é especialista em paz, conflito, defesa e segurança e acredita que "ele pode, no segundo mandato, tomar atitudes mais arrojadas do ponto de vista de Defesa e Segurança - tomando ações, com ações mais pacifistas. Uma das ações enérgicas seria garantir que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) atuassem com força e que tivessem mais meios e capacidades para lidar com esses desafios, porque nós hoje sabemos que há dificuldades em termos de logística para lidar com isso".
E como pode o exército obter mais meios, se o país está mergulhado numa crise financeira, agravada pelas dívidas ocultas? Os sinais, até agora, mostram que boa parte do segundo mandato de Nyusi deverá ser ainda de sufoco financeiro.
Mais um endividamento?
Meio utópico, o analista fala primeiro em esperança para depois apresentar uma proposta bastante controversa como última saída. Entende que "por via do endividamento, em termos de capacidade, porque comprar equipamento de guerra para lidar com insurgentes, é preciso ter dinheiro para isso e isso pode-se muito bem o fazer, porque é uma questão de urgência nacional".
E Cadeado cogita, com base num fator abstarato: "Há a possibilidade de, por meio da recuperação económica, haver algum dinheiro".
Mas Cadeado admite o seguinte: "É verdade que todos os que lidam com questões económicas vão dizer que estão a sobrecarregar a economia".
Justamente por causa do escândalo de corrupção à volta das dívidas ocultas, ao qual o nome do próprio Presidente Filipe Nyusi está associado, a imagem do país caiu nos mercados financeiros internacionais.
Como as dívidas ocultas podem representar obstáculo para o PR?
Por isso, as chances do Estado obter financiamento são ínfimas, o que poderia levar o país a obter crédito a um preço alto ou à custa de contrapartidas pouco ortodoxas, junto de parceiros como a Rússia ou a China.
E Calton Cadeado reconhece que o escândalo da dívida pode representar um entrave para o Presidente: "Agora, qual é o obstáculo? É que o Presidente Nyusi pode ter alguma hesitação com base na experiência do que aconteceu com as dívidas ocultas".
E desconfia que "por mais que faça tudo com a devida transparência, ir à Assembleia da República e tudo mais, endividar o Estado para o próximo dirigente ter problemas em lidar com o excessivo peso da dívida pode suavizar o entusiasmo do Presidente em fazer uma ação robusta de equipamento para as FDS".
Mas a incapacidade do Estado ultrapassa as esferas da logística e do armamento. De uma maneira geral, não demonstra preparo para lidar nem com a insurgência no norte e nem com a guerrilha no centro.
A gravidade dos ataques no norte levou o Governo a buscar apoio na Rússia, no país operam mercenários russos da empresa de segurança Wagner. Entretanto, são relatadas pela imprensa nacional e internacional baixas frequentes dessas forças.
Rússia continuará a ser aposta de Nyusi
Continuará a Rússia a ser a aposta de Nyusi no segundo mandato? José Milhazes é especialista em relações Rússia-PALOP e responde: "Penso que, neste momento, ele irá continuar a apostar nessa cooperação com a Rússia, até porque muito dirigentes africanos, não é só o caso do dirigente moçambicano, viram na ação da Rússia na Síria como o sinal de que a Rússia poderá ajudá-los eficazmente - nomeadamente na luta contra o terrorismo. E, neste momento, as coisas parecem continuar a caminhar nesse sentido".
Concluindo, o especialista entende que "não há sinais de que Maputo esteja a mudar radicalmente a sua política em relação à Rússia e a Rússia, neste momento, está extremamente interessada em mostrar eficácia na sua política africana".
Quanto à região centro, a acrescentar a esses fatores há a particularidade de uma solução de paz depender também da RENAMO. Um entendimento interno no seio da maior força da oposição já era um passo em frente, se for verdade que a RENAMO não tem nada a ver com as ações armadas.