"João Lourenço terá todo o poder", diz economista angolano
23 de agosto de 2018A consultora de risco EXX Africa afirmou em comunicado esta quinta-feira (23.08) que a "lua de mel" do Presidente João Lourenço, eleito há exatamente um ano, acabou. Em relatório sobre as perspetivas no risco de investimento em Angola, a consultoria avalia que João Lourenço se aproveita do discurso de combate à corrupção em proveito próprio.
"A elogiada posição anticorrupção do Presidente Lourenço é mais indicativa de ataques concertados para desmantelar as influências do seu antecessor e consolidar um poder absoluto sobre as instituições políticas de Angola, do que de tentativas de reformas significativas", diz o comunicado.
A consultoria EXX Africa acrescenta que a fraqueza da economia e a falta de reformas nos setores petrolífero e fiscal podem deteriorar a confiança dos investidores estrangeiros em Angola.
Em entrevista à DW África, o economista angolano Precioso Domingos critica a equipe económica de João Lourenço por tomar medidas orçamentais que aumentam os custos da máquina do Estado em prejuízo da população, que está cada vez mais pobre.
A posse de João Lourenço à frente da Presidência do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), prevista para setembro, dará poder total ao Presidente angolano para seguir com as reformas, avalia o economista. "Vamos conhecer o João Lourenço de verdade a partir de setembro. Tenho muitas expetativas", diz.
DW África: Depois de um ano da eleição presidencial em Angola, a lua de mel de João Lourenço terá de facto acabado?
Precioso Domingos (PD): Durante esse tempo todo, uma das coisas que o Presidente João Lourenço dedicou-se a fazer é conquistar a presidência do MPLA. Essa luta sinalizava que para ter uma melhor governação, ele precisava deter também a liderança do MPLA. Seja como for, isso já está consumado praticamente. Setembro já é amanhã e o Presidente João Lourenço vai tornar-se presidente do MPLA. Portanto, por cima dos superpoderes que ele já tem, vai se acrescentar um outro, que é o do partido. Então, a expetativa que existe em Angola é o que será João Lourenço agora que vai ter aquilo que tanto lutou e que custou tanto dinheiro ao país, desde a compra de aliados, de pessoas. Quer dizer, a responsabilidade é maior. Agora, ele tem tudo. Já não há como dividir responsabilidade entre o Estado e o partido, que é muito influente e poderia estar eventualmente a dificultar o trabalho dele. Ele vai ter todo o poder.
DW África: O desempenho do Governo de João Lourenço no setor económico deixa de facto a desejar?
PD: O problema está na forma como o Governo quer equilibrar o Orçamento. Os gastos públicos são superiores às receitas. Em vez que de mexer na máquina do Governo, que é muito gordo, quer fazer o inverso. O Governo quer aumentar as receitas num país que já não tem capacidade contributiva. Ao querer ajustar o Orçamento apertando mais ainda os agentes económicos, nomeadamente as famílias e as empresas que já vêm perdendo poder de compra. No fundo, essa equipe económica do Presidente João Lourenço vem matando mais a economia do que propriamente vindo recuperar. O esforço tem que passar pelas reformas políticas necessárias para termos um Governo otimizado.
DW África: A consultoria EXX Africa avalia que as perspetivas de investimento para Angola deverão deteriorar-se drasticamente à medida que os investidores perdem a fé na administração da economia por João Lourenço. Concorda com esse posicionamento?
PD: Sim, porque em 2016 e 2017 a recessão económica em parte foi motivada pelo baixo preço do petróleo, menos de 50 dólares. Em 2018, numa altura em que o preço do petróleo começa a alavancar – com a possibilidade de se terminar o ano com o preço 60 dólares –, a produção irresponsavelmente está a atingir níveis jamais vistos – 1,4 milhões de barris/dia num país que já produzia 1,9 milhões de barris diários. Consequência: Em termos de crescimento real, há uma possibilidade de se registar uma nova recessão em 2018. Não obstante a previsão de crescimento do PIB já ter sido revista em menos da metade pelo Governo, ela já está em desuso.
Aqui, no fundo, há uma crítica à equipa económica de João Lourenço, que começou muito mal. Começaram com uma previsão de crescimento económico completamente absurda, de 4,9%. Em menos de 12 meses, a equipe cortou a perspetiva por mais da metade sem aviso nenhum e, mesmo assim, ela já está em desuso. Como uma equipe económica pode cometer tantos erros assim? Angola só poderá dar passos do ponto de vista de eliminação da pobreza, se conseguir encontrar taxas de crescimento económico acima da taxa de crescimento da população. O crescimento da população está em níveis bem superiores à geração de riqueza no país.
DW África: Qual é o impacto sobre a população angolana?
O rendimento médio por habitante continua a decrescer e, portanto, a pobreza está a aumentar. Isso levanta sérios problemas em relação ao plano nacional de desenvolvimento, que é de João Lourenço, e também já começa a entrar em desuso. Quer dizer, o plano mal entra, mas também já está desatualizado, porque tem uma série de indicadores que já está completamente ultrapassada. Temos que nos perguntar quais bens públicos a população quer, quanto custam e a partir daí redefinirmos a despesa pública. Não é o que ocorre. A despesa pública que é fornecida não tem impacto sobre a população, pelo contrário, a despesa pública começa a priorizar um conjunto de luxúria a quem está nos diferentes órgãos de soberania. Basta ver que as despesas de capital se substanciam em fazer autoestradas em sítios que não há tráfego nenhum, aeroportos mortos, e estádios de futebol que foram feitos apenas para enriquecimento. Até aqui, nunca houve coragem política e, infelizmente, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco, que é o da população.
DW África: A consultoria avalia que o discurso de combate à corrupção é usado pelo Presidente em proveito próprio. Qual é a sua opinião?
PD: Eu ainda não tenho uma opinião formada, seria prematuro dizer. Nós vamos conhecer o Presidente João Lourenço melhor depois de setembro. Em dezembro ou janeiro, a avaliação económica poderá ser melhor por um lado. Por outro lado, era preciso que o Presidente fizesse um discurso no sentido de libertação dos poderes judicial e legislativo e deixá-los trabalhar, em vez de assumir individualmente ou estar a comunicar iniciativas de se julgar o caso A ou o caso B, deveria criticar e exonerar pessoas ligadas ao poder judicial que não estejam se calhar a dar conta do recado do ponto daquilo que são os interesses do Estado.