Lições de paz de Moçambique
16 de fevereiro de 2023O pagamento de pensões aos ex-guerrilheiros da RENAMO é uma "questão-chave" no processo de paz em Moçambique e o seu não cumprimento pode colocar em causa a paz no país, defende Alex Vines, diretor do Programa África no centro de pesquisa londrino Chatham House. Mas o investigador acrescenta que o continente africano pode aprender muito com os moçambicanos.
As lições em causa serão debatidas num evento promovido pela Chatham House, nesta sexta-feira (17.02), na capital Etíope, Adis Abeba, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
O objetivo do encontro, que vai reunir vários líderes africanos, incluindo o Presidente Filipe Nyusi, é buscar soluções para silenciar as armas em África até 2030, conforme a agenda da União Africana (UA).
DW África: Que exemplo pode Moçambique dar a África quando se trata de calar as armas?
Alev Vines (AV): Há lições importantes que Moçambique pode dar. O Presidente Filipe Nyusi explicará os passos que Moçambique está a dar para finalmente reintegrar os ex-combatentes de RENAMO na vida civil. No meu ponto de vista, uma questão chave é assegurar as pensões e a importância da segurança humana em particular.
DW África: Ou seja, garantir condições sociais para que essas pessoas não retomem a violência?
AV: Claramente. A ex-Presidente da Libéria, Ellen Johnson-Sirleaf, vai refletir sobre os 20 anos de paz no seu país. Vai falar também o Presidente da Suíça, país que, como Moçambique, integra o Conselho de Segurança. Espero que ele e o chefe de Estado moçambicano foquem a importância chave do desenvolvimento para o processo de paz.
DW África: Há uma série de reclamações sobre justamente o pagamento das pensões pelo Governo aos ex-combatentes. É um problema passível de enfraquecer o acordo de paz em Moçambique?
AV: Sim, isto é o mais importante. Trata-se da primeira vez que o Governo de um Estado paga pensões a membros armados de um partido da oposição. Não há paralelo, nem na América Central, nem em África, nem na Ásia.
DW África: Recentemente, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apontou a África subsaariana como o novo epicentro global do terrorismo. Em África, há mais pessoas a aderir ao extremismo por fatores económicos e não por razões religiosas. Estaremos diante de uma "africanização" do terrorismo?
AV: Quase todos os sucessos de terrorismo em África são mais uma questão de desenvolvimento e menos de religião. O continente africano é muito grande. É muito difícil apontar um motivo único para o terrorismo em África. A experiência de Moçambique, por exemplo, é muito diferente da experiência da Libéria.
DW África: Como o caso de Moçambique, em especial a província de Cabo Delgado, pode ajudar no combate ao terrorismo no continente africano?
AV: Moçambique mostrou que o recurso à segurança privada, a mercenários, não é a solução para combater o terrorismo. Em Moçambique, o Governo tem recorrido a forças militares estatais bem disciplinadas. Como os soldados ruandeses, por exemplo. E isto aconteceu depois do fracasso da intervenção de mercenários da África do Sul, da Rússia e, também, dos Estados Unidos. A lição é muito clara: a solução passa pela atuação dos africanos em África. No contexto do terrorismo regional, é talvez a chave para o futuro do combate ao terrorismo no continente.