Moçambique pode entrar numa nova "espiral de violência"
8 de fevereiro de 2023O Presidente da Suíça, Alain Berset, iniciou esta quarta-feira (08.02) uma visita de três dias a Maputo. Na agenda, está previsto um encontro com o homólogo moçambicano, Filipe Nyusi, e um dos temas a serem discutidos é o processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) dos ex-guerrilheiros da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO).
A visita acontece dias depois de a RENAMO ter dito que o encerramento da última base do partido, no âmbito do DDR, passou a ser "uma incógnita" após a morte de um dos seus delegados na província de Tete.
Em entrevista à DW, o jornalista Fernando Lima considera que o Estado deve dar uma "resposta cabal" às questões apresentadas pelo partido da oposição, caso contrário Moçambique corre o risco de entrar numa nova "espiral de violência".
DW África: Como avalia as declarações da RENAMO sobre o encerramento da última base do partido, no âmbito do DDR, ser "uma incógnita" após a morte de um dos seus delegados em Tete?
Fernando Lima (FL): São declarações que têm um significado político muito grande. A RENAMO não quis fechar a última base, porque acha que isso é uma forma de pressão para que o Governo dê uma resposta muito concreta [aos atrasos no pagamento das] pensões dos desmobilizados. Esta é a razão de fundo de tanto o DDR como o encerramento da última base não estarem resolvidos.
Agora, a questão do delegado envolvido no DDR tem outra explicação, não obstante ser um assunto complementar. É claro que um assassinato com evidentes motivações políticas tem este tipo de implicações e causa problemas, nomeadamente no DDR – aliás, isso foi afirmado por um representante da RENAMO. Mas, neste caso, há outro tipo de implicações, porque na região houve [alegadamente] um assassinato de um [líder comunitário, aparentemente depois de hastear uma bandeira da FRELIMO], e uma questão que está a ser levantada é se o assassinato de uma pessoa ligada à RENAMO terá sido uma resposta.
DW África: Na sua opinião, como é que as autoridades devem tratar este caso para que não se crie "um ambiente de desconfiança", como disse a própria RENAMO, e o processo de desmobilização não seja posto em causa?
FL: Em primeiro lugar, o Estado tem de dar respostas convincentes para que não existam situações de justiça local [pelas próprias mãos], porque é possível que haja um descarrilamento no processo. O Estado deve dar uma resposta cabal a este assunto e afastar uma série de [alegadas] evidências apresentadas pela RENAMO, nomeadamente que uma viatura estatal e aparentemente funcionários do Estado também estariam envolvidos neste assassinato. Se isso não acontecer, entraremos mais uma vez numa grande espiral de violência.
DW África: Acha que o interesse da comunidade internacional, neste caso da Suíça, pode ajudar no desfecho deste processo?
FL: Sim, há um entendimento entre os vários envolvidos no DDR de que a comunidade internacional poderia ajudar [a resolver a] questão das pensões. Se a comunidade internacional ajudasse neste processo, como já aconteceu no passado, não só se resolveria a questão dos fundos para as pensões, como também a questão da sustentabilidade, para que todos os guerrilheiros da RENAMO desmobilizados ao abrigo deste processo tenham as suas pensões pagas.
DW África: Que análise faz do DDR como um todo até ao momento?
FL: Não obstante todos estes sobressaltos, o DDR tem sido muito positivo. Porque muito daquilo que aconteceu ao longo de todo este processo teve sucesso por vontade das partes e não porque todas as condições materiais estavam criadas. Porque é que encalhou neste momento? Porque é a última oportunidade para se encerrar o processo e a RENAMO achou que não podia arcar com o ónus total das responsabilidades.
DW África: E após a conclusão do processo de DDR, se casos como o da morte do delegado da RENAMO continuarem a acontecer, acha que a paz poderá, afinal, não ser efetiva?
FL: É preciso que as autoridades tenham a devida sensibilidade para saberem que situações deste género, nomeadamente os problemas com os "esquadrões da morte", não são novas em Moçambique. Isto não pode acontecer de forma sistemática. É uma grande mancha no nosso processo democrático.
A DW tem tentado contactar a Polícia da República de Moçambique em Tete para obter uma reação sobre a morte do delegado da RENAMO, mas, para já, a corporação rejeita falar sobre o tema. Por outro lado, a FRELIMO não confirma a notícia sobre a morte de um líder comunitário alegadamente do partido na província.