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Advogado pede estatuto de denunciante para hacker português

Thiago Melo | Marcio Pessôa | Lusa
27 de janeiro de 2020

À DW África, advogado de Rui Pinto fala das razões que levaram à revelação dos documentos do "Luanda Leaks". E pede o reconhecimento do "estatuto de denunciante" para o "hacker" português.

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Foto: AFP/F. Isza

Os advogados do "hacker" português Rui Pinto assumiram esta segunda-feira (27.01) que o seu cliente é a fonte dos documentos que levaram ao "Luanda Leaks" - a investigação jornalística que expôs os esquemas alegadamente fraudulentos da empresária e filha do ex-Presidente de Angola, Isabel dos Santos.

O "hacker" está detido em Portugal há cerca de um ano, depois de fornecer dados que resultaram noutro escândalo de corrupção, o "Football Leaks". Rui Pinto é acusado de acesso ilegal a documentos.

William Bourdon, presidente da Plataforma de Proteção para Denunciantes em África (PPLAAF) e advogado de Rui Pinto, diz ter recebido o material do "hacker" português entre o final de 2018 e o início de 2019. Entre o material estariam informações do "Football Leaks", mas também ficheiros aleatórios de pessoas ligadas a Isabel dos Santos.

"Luanda Leaks": Advogado pede estatuto de "denunciante" para hacker português

Segundo Bourdon, o "hacker" português não tinha uma motivação específica sobre Isabel dos Santos quando entregou os documentos à PPLAAF: "Essa conexão não foi propositada, foi detetada de forma aleatória", afirma o advogado em entrevista à DW África.

"Há uma comunidade com interesses comuns, composta por pessoas que fazem parte do mundo de Isabel dos Santos e da criminalidade ligada à indústria do futebol em Portugal", continua Bourdon. "Estava tudo absolutamente conectado: as mesmas pessoas, os mesmos advogados, os mesmos bancos. Eu entendi imediatamente que tinha de ter técnicos para fazer a revisão e análise dessas informações. Aí, decidimos dar isso ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, que fez o seu trabalho".

"Luanda Leaks"

Através dos documentos entregues pela PPLAAF, foi desencadeada uma investigação pelo Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação. E, a 19 de janeiro, os alegados esquemas fraudulentos de Isabel dos Santos vieram à tona. 

Como resultado, na quarta-feira passada (22.01), a Procuradoria-Geral de Angola constituiu a filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos como arguida, por alegada má gestão na petrolífera estatal, a Sonangol.

Isabel dos Santos é acusada de desviar dinheiro público angolano para paraísos fiscais. A empresária nega as acusações e denuncia uma campanha de perseguição política.

Kombobild Isabel dos Santos und Sindika Dokolo
Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo, são citados no "Luanda Leaks"

Estatuto de denunciante

Rui Pinto está detido em Portugal na sequência do "Football Leaks". O "hacker" é acusado de, pelo menos, 90 crimes, incluindo acesso ilegítimo, acesso indevido, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão.

No entanto, a Justiça portuguesa confirmou que vai colaborar com Angola, que utiliza a documentação recolhida por Rui Pinto para acusar a empresária Isabel dos Santos de má gestão de dinheiros públicos.

Bourdon diz que o "hacker" é uma das pessoas que mais contribui para apurar a verdade em vários inquéritos que já foram iniciados na Europa e defende o estatuto de "denunciante" do seu cliente: "O disco que eu compartilhei com o consórcio de jornalistas, também compartilhei com procuradores. O que eu fiz faz parte da minha obrigação como advogado de defender o meu cliente o máximo que eu possa. Defendê-lo nesta situação absurda de ele estar detido há cerca de um ano. Ao mesmo tempo, os corruptos ligados ao 'Football Leaks' e ligados ao 'Luanda Leaks' continuam tranquilos".

"Luanda Leaks": Entenda as denúncias sobre Isabel dos Santos

O advogado critica a Justiça portuguesa, lembrando que "até ao momento" não foi anunciada "qualquer investigação criminal, apesar de terem todas as informações necessárias para o fazer".

"Esse paradoxo só é possível devido à capacidade de influência que o mundo da corrupção tem para agir em Portugal na clandestinidade, além do mundo da democracia. Portugal é um país fantástico, mas há um mundo sombrio que beneficia de proteção, e esta é a razão para o meu cliente estar preso", afirma Bourdon.

Mais críticas ao sistema judicial português

Da mesma forma, a ex-eurodeputada portuguesa Ana Gomes criticou, esta segunda-feira, os "dois pesos e duas medidas" da Justiça portuguesa em relação ao "hacker" Rui Pinto, considerando "completamente obsoleta a posição daqueles que no sistema judiciário [português] não querem querer conhecer a luta, que é serviço público, por parte de um denunciante que expõe criminalidade organizado".

Em entrevista à agência de notícias Lusa, a ex-eurodeputada afirmou também que "tudo está capturado por interesses". E acusou: "Tudo o que tem poder para dar combate à criminalidade e corrupção no sistema político, económico e social é vulnerável e está infiltrado, e é isso que explica muitas outras incoerências a que temos assistido nos últimos anos em Portugal". 

O advogado William Bourdon espera envolver alemães, belgas e franceses ligados ao Organismo Europeu de Cooperação Judicial e aproveitar que há personalidades portuguesas que consideram importante o esforço de Rui Pinto para obrigar as autoridades a investigar a corrupção também no futebol.

Thiago Melo da Silva
Thiago Melo Jornalista da DW África em Bona