Angola na mira do BCE
16 de outubro de 2015Os principais bancos portugueses com investimentos em Angola estão a apostar em fusões como uma das medidas para reduzir os riscos da excessiva exposição ao mercado angolano, em cumprimento das regras impostas pelo Banco Central Europeu (BCE).
A medida surgiu depois do colapso causado pela queda do Banco Espírito Santo (BES) em Portugal, na sequência do rombo financeiro do BES Angola. Analistas consideram que a fusão de bancos ajudará também a resolver o problema de créditos às empresas face à crise que afeta a economia angolana, em resultado da baixa do preço do petróleo.
«Portugal tem problemas de capital financeiro», alerta Luís Amado. O ex-ministro português dos Negócios Estrangeiros, atual presidente do banco BANIF, falava numa conferência esta quinta-feira (15.10) sobre a economia portuguesa, reformas estruturais e parcerias internacionais. Amado destacou a importância do mercado lusófono para as empresas portuguesas, confrontadas com a falta de crédito para investir em países como Angola, cuja economia está afetada pela quebra do preço do crude no mercado internacional.
Minimizar os riscos
Na origem das novas obrigações impostas aos bancos portugueses pelo BCE está decerto o abrandamento da economia angolana, mas também e sobretudo o colapso do BES Angola – que contribuiu para a queda do BES Portugal. Abordado pela DW África, o economista português José Manuel Félix Ribeiro, consultor da Fundação Gulbenkian, chama a atenção para o facto de não estarem afetados apenas bancos portugueses: “Toda a Europa beneficiou durante a fase de super-ciclo das matérias-primas com investimentos em países produtores de matérias-primas.
Não foi só Portugal que investiu em todas as economias produtoras de matérias-primas”
O economista salienta que países na Europa que não têm uma relação tradicional com países produtores de matérias-primas estão isentos: “Mas há muitas entidades na Europa que têm no balanço uma quantidade de problemas resultante do colapso dos preços das matérias-primas”diz.
Caso BES Angola: “Houve má gestão”
A advertência aos bancos portugueses em consequência do rombo financeiro do BES Angola também é comentada pela professora universitária angolana, Fátima Roque, que não esconde o seu desagrado perante a decisão do BCE: “O Banco Central Europeu não é nenhum deus. Nós os angolanos temos o direito de seguir o nosso caminho, e temos o dever de o fazer. Porque nós temos que responder perante os angolanos, temos que honrar os nossos compromissos. E aqueles que estiverem do nosso lado, e aguentarem este embate da descida abrupta do petróleo, não se irão arrepender. Porque Angola e os angolanos são solidários com aqueles que nos ajudam quando nós estamos com problemas”.
Sem pretender interferir no caso BES e as razões que levaram ao fim do BES Angola, a economista considera, no entanto, que “houve ocultação de muitos factos que eram muito importantes, e houve também má gestão. E ficar-me-ia por aqui”.
Contactado pela DW para abordar o tema na qualidade de supervisor, o Banco de Portugal não quis comentar.
Fusão de bancos pode ser uma solução
O que é certo é que falta avaliar se a decisão do BCE contribuiu para dificultar o cesso ao crédito por parte das empresas portuguesas que operam em Angola. Em todo o caso, Fátima Roque considera que a fusão de bancos, a exemplo do projeto de união entre o Millennium BCP Angola e o Banco Atlântico, é uma das alternativas para garantir crédito às empresas portuguesas que correm o risco de sair daquele país.
Para ela o “trambolhão tão grande” no preço do petróleo constitui um “quase desespero” para a economia angolana, mas Fátima Roque considera que, apesar desta crise, este não é o fim do “el dorado” para as empresas portuguesas, nomeadamente para a banca: “Eu gostaria de olhar para o interesse que as empresas portuguesas têm em Angola de uma forma menos cínica, ou seja, entre duas economias irmãs. Portugal está a ultrapassar uma crise profundíssima de natureza monetária, financeira e bancária. E, portanto, virou-se para determinados mercados onde esses problemas não se punham. E um deles foi Angola. El dorado? Talvez. Mas eu gostaria que os portugueses considerassem Angola como um bom mercado onde devem apostar, onde devem investir, e que investissem em termos de longo prazo. Não é por Angola estar agora a ultrapassar uma fase mais difícil, que se irão retirar. Isso é um grande erro”.
A economista prefere apelar aos empresários para investirem e contribuírem para a diversificação da economia angolana, como foco no longo prazo, porque acredita que Angola continuará a “prometer futuro”.