MISA Angola: “Não queremos jornalismo dócil e de elogios”
16 de dezembro de 2024O Instituto de Comunicação Social da África Austral – Angola (MISA) realiza esta terça-feira (17.12) uma ação de protesto contra as restrições à liberdade de imprensa e de expressão em Angola. A jornada, designada "Erga o Punho”, visa despertar os jornalistas para uma postura mais enérgica, mais crítica e mais fiscalizadora da ação dos outros poderes instituídos em Angola.
Em entrevista à DW, André Mussamo, presidente do Conselho de Governação do instituto afirma que Angola continua a viver os mesmos problemas que levou os jornalistas angolanos a saírem pela primeira vez à rua, em 2022, numa marcha de protesto contra as restrições à liberdade de imprensa, interferência nas decisões editoriais e precariedade laboral.
Mais do que um grito, o MISA, que é contra a propaganda política, quer mudar a realidade e instar a classe jornalística a agir, em nome da democracia, por uma comunicação social plural, independente e diversificada em Angola.
DW África: O MISA Angola realiza a jornada de protesto "Erga o Punho” contra a restrição de liberdades em Angola. Em que se consubstancia o slogan face à realidade em Angola?
André Mussamo (AM): Nós continuamos a viver os mesmos problemas que, em 2022, levaram os jornalistas angolanos a saírem [à rua], pela primeira vez na Angola independente, numa marcha, para protestar conta as restrições quanto à liberdade de imprensa, interferência nas decisões editoriais e precariedade também dos postos de trabalho, assim como uma incessante reforma de profissionais tarimbados que, ao não obedecerem a ordens superiores dos patrões, são mandados para reforma como que de forma compulsiva.
Então, no âmbito daquele espírito que motivou, a 17 de dezembro de 2022, aquele primeiro protesto que fizemos em coautoria com o Sindicato de Jornalistas Angolanos e a Comissão de Carteira e Ética, nós, o MISA, decidimos não deixar a data passar em branco, mas desta vez realizando uma outra forma de protesto.
Vamos concentrar-nos no Auditório Cónego Manuel das Neves, e lá vamos distribuir cartazes e canetas a todos os participantes e cada um vai escrever uma mensagem pelo seu próprio punho, o que vai na alma sobre o que quer dizer diante desta realidade que estamos a enfrentar.
E depois, vamos erguer esse cartaz para que fique registado para a posteridade. Os nossos companheiros da área do vídeo e da fotografia vão ajudar-nos a repercutir este momento. No final, recolhemos essas frases todas e distribuí-las às redações e a todos os interessados que quiserem saber o que é que os jornalistas e todos os participantes da manifestação quiseram expressar.
DW África: Considera que este é um grito face à realidade vigente em Angola, onde se continua a registar restrições às liberdades fundamentais, em particular a liberdade de imprensa?
AM: É um grito. Mais do que um grito, também é um ‘atirar da pedra no charco', a ver se conseguimos provocar alguma onda para que esta realidade mude. Daqui a pouco Angola completa 50 anos desde que proclamou a independência e continuamos a viver problemas remanescentes de um regime de partido único, apesar de já, em 1991, o país ter feito a transição para o multipartidarismo. Mas, realmente, na área do jornalismo continuamos a ver os efeitos do partido-Estado. Portanto, é um alerta aos profissionais porque alguns se vão deixando manietar a troca de salário e de melhores condições. O objetivo é chamar-lhes a atenção de que a democracia reclama do jornalismo angolano uma ação mais enérgica, mais crítica e mais fiscalizadora da ação dos outros poderes.
DW África: O MISA dá conta que em Angola se está a desvirtuar o jornalismo em nome da propaganda. Pode apontar um exemplo?
AM: É simples, basta ver os telejornais das televisões, por exemplo. É humanamente inadmissível que uma cor partidária ocupe num jornal de 20 a 30 minutos o tempo na antena. Quer dizer, já não aconteceu mais nada, só esta cor política é que trabalhou, só esta cor política é que teve ação durante a semana ou durante o dia. Aconteceu esta segunda-feira (16.12) um exemplo concreto com a abertura do congresso do partido que governa o país. Basta ver os momentos nobres dos nossos noticiários para perceber que o noticiário, do princípio ao fim, [é sobre o congresso do] MPLA. Logicamente que isso é fruto da propaganda e desse manietar que continua ativo e permanente a nível do exercício da profissão de jornalista no país.
DW África: A isto juntam-se as interferências nos critérios editoriais. Fará isso parte de uma premeditada estratégia com o objetivo de dividir para reinar, como refere o MISA no seu comunicado distribuído à imprensa?
AM: Exatamente. Dividir para reinar. Sabe que, às vezes, quando estamos submetidos à ingência da necessidade de sobrevivência, somos forçados a aceitar determinados atos, por mais que sejam hediondos. E, portanto, isso está a acontecer com os jornalistas no país.
Há vontade suficiente para fazer um bom jornalismo, mas depois a realidade, nas entidades patronais e nos superiores hierárquicos, força a que aqueles que têm menos capacidade de resistir a esta pressão, ficam cegos e deixam-se interferir nas decisões editoriais e no que publica. Ou seja, quando publica, tem aqueles processos cirúrgicos para que a crítica seja sempre deixada de fora.
Enfim, há todo um conjunto menos favorável àquilo que se pode chamar jornalismo. Portanto, é contra isso que nós, o MISA, estamos a erguer o punho para manter o espírito daquela marcha de protesto.
DW África: Que impacto o MISA espera alcançar com esta ação, já que a vossa luta é por uma comunicação social plural, independente e diversificada em Angola?
AM: Nós queremos que, de facto, a comunicação social cumpra o seu papel social, seja isenta, atenda a todas as opiniões da nossa sociedade, a todas as cores políticas e que tenha espaço também para a crítica e não apenas para jornalismo dócil, só do elogio, só das boas realizações que existem no país. A nossa pretensão é esta. Enquanto não alcançarmos este propósito – porque até é da própria Constituição e das leis que regulam a atividade no país – nós vamos continuar a gritar bem alto com qualquer forma de protesto, ainda que seja o mais minúsculo possível.
A nossa luta vai prosseguir, porque essa também é a natureza do MISA. O MISA foi constituído a nível da região da África Austral exatamente para funcionar como este ‘cão de guarda' que protege e reclama pelas liberdades que são, de facto, decorrentes de um regime democrático. Esta é a nossa luta.